terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Art. 473, I, da CLT - quem são os ascendentes e os descendentes?

Caro colega concurseiro,

O objetivo deste artigo é dissipar, de uma vez por todas, uma dúvida comum entre os concurseiros trabalhistas. Trata-se da interpretação do inciso I do art. 473 da CLT.

Com efeito, o referido art. 473 relaciona diversas hipóteses de interrupção do contrato de trabalho, ou seja, várias situações em que o empregado não presta serviços durante certo lapso de tempo, porém recebe normalmente o salário correspondente.

Dispõe o art. 473, I, in verbis:

Art. 473 - O empregado poderá deixar de comparecer ao serviço sem prejuízo do salário:

I - até 2 (dois) dias consecutivos, em caso de falecimento do cônjuge, ascendente, descendente, irmão ou pessoa que, declarada em sua carteira de trabalho e previdência social, viva sob sua dependência econômica;

A dúvida comum diz respeito aos termos “ascendente” e “descendente”, e notadamente ao grau de parentesco válido para fins da referida hipótese de interrupção.

Os termos são oriundos do Direito Civil.

Consoante disposto no art. 1.591 do Código Civil, “são parentes em linha reta as pessoas que estão umas para com as outras na relação de ascendentes e descendentes”.

Por sua vez, “são parentes em linha colateral ou transversal, até o quarto grau, as pessoas provenientes de um só tronco, sem descenderem uma da outra” (art. 1.592).

A ascendência é a linha das gerações anteriores. Assim, ascendente é aquele do qual se descende, como os pais, os avós, os bisavós, etc.

A descendência, a seu turno, indica a posteridade, a prole (conforme Houaiss). Logo, são descendentes os filhos, os netos, os bisnetos, etc.

Os parentes em linha colateral a que se refere o art. 1.592 do Código Civil são os irmãos, os tios, os sobrinhos e os primos, os quais pertencem ao mesmo tronco familiar, mas não descendem um do outro. Destes, apenas os irmãos são contemplados pelo inciso I do art. 473 da CLT, donde se conclui que o falecimento de tio, primo ou outro parente em linha colateral ou transversal (salvo o irmão) não dá direito à “falta abonada” do empregado.

A última questão a analisar é a irrelevância do grau de parentesco para fins do inciso I do art. 473 da CLT.

O art. 1.594 do Código Civil estabelece que “contam-se, na linha reta, os graus de parentesco pelo número de gerações, e, na colateral, também pelo número delas, subindo de um dos parentes até ao ascendente comum, e descendo até encontrar o outro parente”.

Destarte, entre a pessoa e seu pai, temos um parentesco de 1º grau, entre a pessoa e o avô, um parentesco de 2º grau, e assim por diante.

Como a CLT não faz referência ao grau de parentesco, o direito não é limitado sob este aspecto (“se a lei não limita o direito, não cabe ao intérprete fazê-lo”).  Em outras palavras, o falecimento de qualquer ascendente (pai, avô, bisavô, trisavô ou tetravô) ou de qualquer descendente (filho, neto, bisneto, trineto ou tetraneto) do empregado enseja o direito à falta, sem prejuízo do salário, nos termos do art. 473 da CLT.

A cobrança deste assunto tem sido frequente nas provas da FCC. Mencionem-se, por exemplo, as seguintes questões:

(AJAA – TRT da 23ª Região – FCC – 2011)
40. Marta, Maria e Gabriela são irmãs, residem na cidade de Cuiabá − MT e trabalham na empresa X. Tendo em vista que a avó das empregadas reside na cidade de Campinas − SP, viajaram de avião para a cidade paulista o filho de Marta, o esposo de Maria e o irmão delas Diogo. Ocorreu um acidente aéreo com o mencionado avião, não havendo sobreviventes. Neste caso,

(A) apenas Marta e Maria poderão deixar de comparecer ao serviço por até dois dias consecutivos, hipótese de interrupção do contrato de trabalho.
(B) Marta, Maria e Gabriela poderão deixar de comparecer ao serviço por até dois dias consecutivos, hipótese de suspensão do contrato de trabalho.
(C) Marta, Maria e Gabriela poderão deixar de comparecer ao serviço por até dois dias consecutivos, hipótese de interrupção do contrato de trabalho.
(D) Marta, Maria e Gabriela poderão deixar de comparecer ao serviço por até cinco dias consecutivos, hipótese de interrupção do contrato de trabalho.
(E) apenas Marta e Maria poderão deixar de comparecer ao serviço por até três dias consecutivos, hipótese de suspensão do contrato de trabalho.

O gabarito é letra “C”, pois todas as empregadas mencionadas perderam algum parente relacionado no inciso I do art. 473 da CLT. Marta e Maria perderam dois. 

(AJEM – TRT da 23ª Região – FCC – 2011)
41. Lorival, empregado da empresa X, foi convocado para participar de júri criminal na qualidade de jurado e terá que se ausentar de seu serviço. Bernadete, empregada da empresa Y, ausentar-se-á de seu serviço por dois dias consecutivos para acompanhar o funeral de sua bisavó no interior do Estado. Nestes casos, os contratos de trabalhos serão

(A) suspensos.
(B) interrompido e suspenso, respectivamente.
(C) suspenso e interrompido, respectivamente.
(D) extinto e interrompido, respectivamente.
(E) interrompidos.

No caso, a bisavó é ascendente (em 2º grau, mas não importa o grau de parentesco, frise-se), pelo que o contrato de Bernadete também será interrompido pelo prazo de dois dias.

(AJEM – TRT 20ª Região – FCC – 2011)
47. Vivi e Duda são irmãs e empregadas da empresa X. Hoje, faleceu o marido de Vivi. Neste caso, de acordo com a Consolidação das Leis do Trabalho,

(A) apenas Vivi poderá deixar de comparecer ao serviço por até dois dias consecutivos, tratando-se de caso de interrupção do contrato de trabalho.

(B) Vivi e Duda poderão deixar de comparecer ao serviço por até dois dias consecutivos, tratando-se de caso de suspensão do contrato de trabalho.

(C) apenas Vivi poderá deixar de comparecer ao serviço por até três dias consecutivos, tratando-se de caso de interrupção do contrato de trabalho.

(D) Vivi e Duda poderão deixar de comparecer ao serviço por até três dias consecutivos, tratando-se de caso de interrupção do contrato de trabalho.

(E) apenas Vivi poderá deixar de comparecer ao serviço por até cinco dias consecutivos, tratando-se de caso de suspensão do contrato de trabalho.

O gabarito é letra “A”, pois o falecimento de cunhado não enseja a interrupção contratual, por ausência de previsão legal (o sogro, a sogra e o cunhado são parentes por afinidade).

A título de curiosidade (isso não é necessário para concurso, salvo, eventualmente, numa prova de Direito Previdenciário), podem ser dependentes aqueles relacionados no art. 16 da Lei nº 8.213/1991.

Abraço e bons estudos!

Ricardo Resende
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sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Súmula 428 do TST e art. 6º da CLT: incompatíveis?


Caro colega concurseiro,

No artigo anterior mencionei a recente alteração do art. 6º da CLT, que passou a equiparar expressamente o teletrabalho ao trabalho em domicílio e ao trabalho realizado no próprio estabelecimento do empregador.

Propositalmente omiti, no artigo referido, discussão que se iniciou já com a publicação da Lei nº 12.551/2011, no sentido de possível incompatibilidade entre a nova redação do art. 6º da CLT e o entendimento jurisprudencial consubstanciado na Súmula 428 do TST, a qual foi inclusive recentemente revisada pelo Tribunal (Resolução TST 174/2011, DEJT de 27, 30 e 31.05.2011).

A omissão se deu por dois motivos. Em primeiro lugar, porque enquanto não definida pelo TST a matéria continua, a meu ver, estéril para fins de concursos públicos, salvo, eventualmente, em uma questão discursiva da Magistratura do Trabalho, a qual poderia explorar os argumentos em um e outro sentido e, talvez, solicitar o posicionamento do candidato. Em segundo lugar, porque até o dia em que escrevi o artigo anterior eu ainda não havia lido nenhuma matéria séria a respeito de tal celeuma, mas apenas conjecturas de articulistas.

Ocorre que ontem (12.01.2012) o TST publicou a seguinte notícia em seu site:

Lei federal sobre trabalho a distância exigirá mudança na jurisprudência do TST

Com a sanção da Lei nº 12.551/2011, que alterou o artigo 6º da CLT e extinguiu a distinção entre o trabalho presencial, realizado no estabelecimento do empregador, e o trabalho a distância, executado no domicílio do empregado, o Tribunal Superior do Trabalho deverá rever sua jurisprudência relativa ao tema do sobreaviso. Atualmente, a Súmula 428 não reconhece o uso de aparelhos de intercomunicação (telefone celular, BIP ou pager) como suficientes para caracterizar o sobreaviso: o entendimento, convertido em súmula em maio de 2011, é o de que o simples uso desses aparelhos não obriga o empregado a esperar em casa por algum chamado do empregador, e pode se deslocar normalmente até ser acionado.

Para o presidente do TST, ministro João Oreste Dalazen, a entrada em vigor da nova lei torna "inafastável" a revisão da Súmula 428, e adianta que pretende promover uma semana para que os 27 ministros da Corte discutam os vários aspectos envolvidos na nova realidade.

O que muda com a nova lei?

Dalazen – A lei passou a dizer que o trabalho realizado a distância é tempo de serviço. A meu juízo, é inafastável a revisão da súmula em face da superveniência da lei.

Qual o seu impacto, na ordem jurídica, decorrente dos avanços tecnológicos?

Dalazen – Embora a lei não contemple um regulamento do chamado teletrabalho ou dos serviços prestados a distância, ela diz que o fato de o serviço ser prestado a distância não impede a configuração da relação de emprego, desde que esse serviço seja controlado por meios telemáticos ou informatizados. Ou seja, ela equipara a ordem pessoal e direta do empregador ao controle realizado a distância.

Em que aspecto a jurisprudência atual foi superada pela nova legislação?

Dalazen – A Lei 12.551 afeta diretamente os casos em que o empregado, depois de encerrada a jornada, fica à disposição para atender um novo serviço para a empresa. A Súmula 428 não considerava esse tempo de espera como tempo de serviço, mas a lei o conta como tal. Com isso, a súmula se tornou incompatível e terá de ser reavaliada pelos ministros.

Além do teletrabalho, que outras questões deverão ser reavaliadas?

Dalazen – Não há dúvida de que o serviço prestado a distância pode configurar relação de emprego, mas como será nos casos em que um empregado não trabalhar a distância, mas permanecer à disposição do empregador, portando um celular? Será que esse empregado deve ser remunerado da mesma forma quando o serviço é prestado ininterruptamente?  Nesses casos, teremos de considerar pelo menos três hipóteses. A primeira seria a de que o tempo à disposição da empresa deve ser remunerado como de sobreaviso. Se esse entendimento prevalecer, o trabalhador receberia pelo período, à equivalência de um terço do salário. A segunda hipótese seria a de considerar o tempo como hora normal de trabalho, e a terceira seria a de simplesmente não pagar por ele.

Além disso, o TST terá de estudar cada meio de comunicação (celular, pager, e-mail, telefone fixo, etc.) para definir quais deles podem ser utilizados para caracterizar o sobreaviso. Teremos de discutir vários meios eletrônicos, pois vamos ter vários processos sobre eles. Pretendo propor uma semana apenas para discutirmos esse tema no TST.

(Carmem Feijó)

Fonte: site do TST 


Com todo o respeito, ouso discordar do julgamento prévio da questão, no sentido de que seja “inafastável a revisão da Súmula 428”.  A rediscussão da matéria é interessante e até necessária, mas o resultado desta será obtido apenas depois da semana de debates no Colendo TST.

A revisão ou a manutenção do verbete dependerá do alcance que se empreste à nova redação do art. 6º da CLT.

Como mencionado no artigo anterior, muito me estranha que se argumente que o trabalho realizado à distância passou a ser considerado tempo de serviço a partir da nova redação do art. 6º da CLT. A meu ver, sempre o foi. Trabalho realizado de forma pessoal, não-eventual, com onerosidade e subordinação sempre foi tempo de serviço, nos termos da interpretação conjugada dos artigos 2º, 3º e 4º da CLT.

Anote-se também que antes da alteração do art. 6º da CLT inúmeros teletrabalhadores subordinados (pelos meios telemáticos a que se reporta a novel redação) foram reconhecidos como empregados, e a eles foi estendida a proteção trabalhista.

Repito: a meu ver a grande virtude da Lei nº 12.551/2011 foi encerrar a polêmica a respeito da subordinação à distância, ou seja, estabilizar a relação jurídica no segmento do teletrabalho, ao menos no tocante à caracterização da relação de emprego.

Todavia, é forçoso recordar que o teletrabalho continua sem a necessária regulamentação legal, e não é o art. 6º da CLT, com sua nova redação, que preencherá esta lacuna.

Em minha interpretação, e, claro, salvo melhor juízo, a Súmula 428 do TST não trata propriamente de trabalho realizado à distância, mas tão somente da possibilidade de manutenção do trabalhador conectado, por meios tecnológicos, às necessidades do empreendimento/empregador.  Vejamos o verbete:

SUM-428 SOBREAVISO (conversão da Orientação Jurisprudencial n.º 49 da SB-DI-1) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011

O uso de aparelho de intercomunicação, a exemplo de BIP, “pager” ou aparelho celular, pelo empregado, por si só, não caracteriza o regime de sobreaviso, uma vez que o empregado não permanece em sua residência aguardando, a qualquer momento, convocação para o serviço. (grifos meus)

Observe-se que o verbete se refere expressamente, conforme trecho destacado, à inaplicabilidade, a priori, do regime de sobreaviso, aos trabalhadores que permanecem, de alguma forma, conectados ao empregador fora do horário de serviço, aguardando eventual convocação do empregador.  Não vejo a Súmula em referência tratando de teletrabalho!

Dizer simplesmente que se o parágrafo único do art. 6º considera “os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio” quer dizer que o simples porte de aparelhos eletrônicos, fora de serviço, constitui tempo à disposição do empregador, não me parece uma ilação correta.

A propósito, que fique claro que eu sempre defendi a remuneração diferenciada de tais trabalhadores, bem como limites claros à conexão fora do horário de trabalho. Conheço bem de perto um caso típico, o qual demonstra inequivocamente os prejuízos de tal regime, notadamente para a saúde do empregado.

Ocorre que a lei não disciplina a questão, e, ante a lacuna, sempre se buscou, dentre os critérios existentes, a integração do direito. A tentativa natural, pela aproximação aparente das figuras, seria a aplicação analógica do instituto do sobreaviso, cabível aos ferroviários por força do disposto no art. 244, §2º, da CLT, in verbis:

Art. 244. As estradas de ferro poderão ter empregados extranumerários, de sobreaviso e de prontidão, para executarem serviços imprevistos ou para substituições de outros empregados que faltem à escala organizada.

(...)

§ 2º Considera-se de sobreaviso o empregado efetivo, que permanecer em sua própria casa, aguardando a qualquer momento o chamado para o serviço. Cada escala de sobreaviso será, no máximo, de vinte e quatro horas. As horas de sobreaviso, para todos os efeitos, serão contadas à razão de 1/3 (um terço) do salário normal.

Sem entrar no mérito acerca do entendimento jurisprudencial esposado na Súmula 428, o argumento para rejeitar o sobreaviso nas hipóteses mencionadas no verbete é o próprio fundamento do sobreaviso, que seria a limitação do direito de locomoção (direito de ir e vir) do trabalhador. Em outras palavras, somente se aplicaria a figura do sobreaviso aos casos em que o trabalhador permanece em sua residência, impedido de se deslocar, aguardando possível chamado do empregador para se reapresentar no serviço.

Como o trabalhador que, fora do expediente, permanece conectado ao empregador por meio de aparelhos eletrônicos (BIP, pager, celular), pode se deslocar para onde bem entender, não se aplicaria o regime de sobreaviso. Este é o entendimento do TST, mantido depois de uma semana de discussões no mês de maio do ano passado.

Destarte, entendo que não se confundem as ideias, ou seja, a nova redação do art. 6º da CLT, que explicita a configuração do teletrabalho subordinado[1], não contraria, necessariamente, a tese de que o empregado não faz jus ao regime de sobreaviso na hipótese da Súmula 428.

Vejamos dois exemplos que ilustram a distinção no mundo dos fatos:

Exemplo 1: Juliana presta serviços de programação (criação de software) sob demanda a uma grande empresa. Os serviços podem ser prestados a partir de qualquer lugar (da casa de Juliana ou de outro local, escolhido por ela), bastando que a trabalhadora leve consigo o notebook com conexão à internet. Juliana permanece, enquanto trabalha, monitorada pelos coordenadores de projeto da empresa, os quais têm acesso aos toques do teclado do notebook, e-mail corporativo, arquivos salvos, etc., de forma que controlam a produtividade e o tempo despendido no trabalho por Juliana, bem como lhe repassam comandos por meio eletrônico, seja por e-mail, MSN, skype, entre outros.

No caso, Juliana constitui o teletrabalhador a que se refere o novo art. 6º da CLT. Não interessa onde ela trabalha, e sim que o faz mediante subordinação, efetivada (ou possível) mediante recursos telemáticos. Nesta hipótese, é claro que todo o tempo em que Juliana permaneceu conectada, subordinada ao empregador, é tempo de trabalho efetivo, e como tal deve ser remunerado, inclusive com a remuneração extraordinária das horas que excederem da oitava diária.

Exemplo 2: Wagner, analista de sistemas de automação, trabalha no estabelecimento do empregador, com carteira assinada, cumprindo jornada regular. Além disso, deve permanecer, fora do horário regular de trabalho, com o celular ligado, 24h por dia, 7 dias por semana, a fim de que possa ser localizado em caso de necessidade de serviço. Não há qualquer restrição à locomoção de Wagner, sendo que o trabalhador constantemente viaja nos finais de semana. Nas hipóteses em que é chamado, primeiro tenta resolver o problema à distância, através de seu notebook conectado à VPN da empresa, ou mesmo por telefone. Caso não seja possível, deve se deslocar até o local de trabalho, salvo se isso for inviável no momento (p. ex. quando Wagner está viajando para local distante da sede da empresa).  Sempre que é chamado Wagner recebe um valor predeterminado a título do chamado, mais o tempo de trabalho efetivo, remunerado como hora extraordinária.

Neste caso, Wagner está enquadrado tipicamente na hipótese da Súmula 428 do TST, e, a meu ver, em regime muito diferente do mencionado no “Exemplo 1” supra. Não há qualquer dúvida acerca da subordinação, mas até ser chamado Wagner dispõe livremente de seu tempo, pode ir pra onde bem quiser, e não está efetivamente subordinado. Nem à disposição. Aliás, a se considerar Wagner como à disposição do empregador (stricto sensu, ou seja, nos termos do art. 4º da CLT) em virtude da obrigação de portar o celular ligado, deveria ele receber a remuneração pelas 23 horas do dia (sendo oito simples, uma de intervalo não remunerado, e quinze horas extras)???  E a limitação da duração do trabalho???

Trata-se de figura nova, que não encontra balizas na nossa velha legislação trabalhista. É necessária e urgente a regulamentação da matéria, até porque a situação pessoal e familiar de Wagner é, sem dúvida, extremamente afetada pela constante conexão ao trabalho. A propósito, há vários artigos interessantes a respeito do direito à desconexão do trabalhador.

Eu só acho que esta regulamentação não veio com a Lei nº 12.551/2011, a qual deu nova redação ao art. 6º da CLT. E também entendo que a Súmula 428 não se tornou obsoleta da noite para o dia, salvo se os Ministros do TST resolverem revisar os fundamentos que deram origem ao verbete.

Abraço e bons estudos!

Ricardo Resende
twitter.com/ricardotrabalho


   




[1] Atente-se para o fato de que há teletrabalho autônomo também, bastando para tal que não exista subordinação. O meu trabalho junto ao Estratégia Concursos, por exemplo, é típico teletrabalho autônomo, pois não tem qualquer tipo de interferência ou comando por parte do tomador dos serviços.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

O novo art. 6º da CLT, o teletrabalho e a subordinação



Caro colega concurseiro,

Antes de qualquer coisa, peço desculpas pela falta de atualização do blog nos últimos meses. Ocorreu que ao já costumeiro acúmulo de trabalho (a cada dia maior, graças a Deus) somaram-se, nos últimos tempos, outras circunstâncias de ordem pessoal, as quais impossibilitaram, em absoluto, que este espaço recebesse o devido cuidado.

Desde a última publicação, sobre o novo aviso prévio (e sei que ainda não escrevi realmente a respeito também), tivemos outra novidade legislativa, desta vez alterando a redação do art. 6º da CLT. Com efeito, a Lei nº 12.551, de 15.12.2011, publicada no DOU de 16.12.2011, conferiu ao art. 6º da CLT a seguinte redação:

Art. 6º Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego. (Redação dada pela Lei nº 12.551, de 2011)

Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio. (Incluído pela Lei nº 12.551, de 2011)

A novidade é relevante para o concurseiro, pois certamente o novo dispositivo será cobrado de forma frequente durante algum tempo, como normalmente ocorre com as alterações legislativas e jurisprudenciais. É sempre uma forma de a banca examinadora avaliar a atualização do candidato, bem como o dinamismo de sua preparação. Como diz o José Simão, “camarão dormiu, a onda leva...”

Na prática, entretanto, o novo art. 6º da CLT pouco acrescenta, ao passo que apenas torna explícito o entendimento que já havia sido consagrado há bastante tempo, tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência, acerca da caracterização da subordinação jurídica levada a efeito através de recursos tecnológicos de controle do trabalho à distância.

A este respeito, José Augusto Rodrigues Pinto observa que

“Nos países cujos níveis de tecnologia virtual já impelem a sociedade para a chamada era pós-industrial, essa modalidade sofisticada de prestação de trabalho começa a ser praticada crescentemente sob a denominação de teletrabalho. (grifo no original) Seu melhor conceito é o de uma atividade de produção ou de serviço que permite o contato à distância entre o apropriador e o prestador da energia pessoal. Desse modo, o comando, a execução e a entrega do resultado se completarão mediante o uso da tecnologia da informação, sobretudo a telecomunicação e a informática, substitutivas da relação humana direta[1].  (grifos meus)

No mesmo sentido, Gustavo Filipe Barbosa Garcia ensina que
“Em razão das peculiaridades da forma de exercício do referido labor, a subordinação e a pessoalidade podem exigir um exame mais cuidadoso do caso em concreto. De todo modo, havendo o controle e a direção quanto à forma do trabalho, mesmo que por meio de instrumentos eletrônicos, fica reconhecida a presença da subordinação jurídica[2].  (grifos meus)

Por fim, Alice Monteiro de Barros, com a precisão de sempre, ensina que

“Se o trabalhador se encontra, por exemplo, em conexão direta e permanente, por meio do computador, com o centro de dados da empresa, o empregador poderá fornecer instruções, controlar a execução de trabalho e comprovar a qualidade e a quantidade de tarefas de forma instantânea, como se o empregado estivesse no estabelecimento do empregador. A internet permite, inclusive, aferir o tempo de conexão do terminal do empregado, bem como quando foi acessado pela última vez o teclado. Esse controle revela, sem dúvida, a subordinação jurídica, que poderá estar presente ainda quando a execução do serviço seja desconectada (off line). Tudo irá depender da análise do programa de informática utilizado”[3]. (grifos meus)

Em consonância com este entendimento também encontramos questões de concursos anteriores, como, por exemplo, a seguinte:

(Juiz do Trabalho – 2ª Região – 2010)
André ajustou pacto verbal com a empresa Gama Informática Ltda., pelo prazo determinado de três meses, para a prestação dos serviços de criação e desenvolvimento, com exclusividade, de programas e aplicativos para utilização em máquinas de operação de cartões de crédito e débito. A empresa contratante Gama atua no ramo de consultoria na área de informática para operadoras de cartões de crédito. Ficou acordado entre as partes que as atividades de André poderiam ser realizadas na sua própria residência, desde que houvesse contato diário com os supervisores da Gama, por intermédio de teleconferência e correspondência eletrônica via e-mail. André definia os seus horários de trabalho devendo, entretanto, cumprir os prazos estipulados para cada tarefa. Quando o software passava a ser utilizado pelos clientes de Gama, André permanecia conectado à Internet e com uma linha telefônica exclusiva em sua residência para contatos, a qualquer momento, a fim de resolver problemas que surgissem na execução do programa. Caso precisasse sair de sua residência, André deveria portar telefone celular exclusivo e laptop, conectado à Internet. Ficou ajustada uma remuneração por programa desenvolvido, além de um pagamento extra para as horas em que André fosse contatado para solucionar os eventuais problemas na execução dos programas. Quanto aos elementos formadores da relação de emprego, analisando a hipótese apresentada, marque a alternativa incorreta.

A) Para a caracterização da subordinação jurídica, elemento essencial para a configuração do contrato de trabalho, não é obrigatório o estabelecimento de horários pré-determinados e a sua fiscalização, importando apenas a possibilidade do empregador intervir nas atividades do empregado.

B) A Consolidação das Leis do Trabalho não distingue o trabalho realizado no estabelecimento empresarial daquele desempenhado no domicílio do empregado, desde que presentes os pressupostos da relação de emprego.

C) Os requisitos da pessoalidade e da não eventualidade estão presentes no caso, em razão da obrigatoriedade das teleconferências e face à prestação de serviços ligados à atividade fim da empresa contratante.

D) Caso determinada operadora de cartões possuísse o controle acionário da empresa Gama, dirigindo e administrando os bens desta para a consecução de seus objetivos empresariais, ambas seriam consideradas empregadoras de André, em razão da teoria do “empregador único”.
 
E) André não poderia ser considerado empregado da empresa Gama em razão dos seguintes elementos fáticos: o contrato foi ajustado de forma verbal e pelo prazo determinado de apenas três meses; não havia controle e fiscalização de horários; não eram utilizados, pelo prestador dos serviços, os equipamentos e instalações da empresa contratante; bem como a remuneração era variável, não possuindo natureza salarial.
 
Comentários[4]:

Assertiva “a”:

Correta. É claro que a fiscalização ostensiva, a submissão a controle rígido de horário de trabalho, entre outros elementos, facilitam a caracterização da subordinação jurídica. Entretanto, não se exige tais elementos, notadamente no caso do trabalhador em domicílio, que tem o mesmo status jurídico do empregado que se ativa no estabelecimento do empregador (art. 6º da CLT), mas que naturalmente não se submete ao controle direto. Neste sentido, o entendimento doutrinário. Por todos, Alice Monteiro de Barros ensina que:

“Esse poder de comando do empregador não precisa ser exercido de forma constante, tampouco torna-se necessária a vigilância técnica contínua dos trabalhos efetuados, mesmo porque, em relação aos trabalhadores intelectuais, ela é difícil de ocorrer. O importante é que haja a possibilidade de o empregador dar ordens, comandar, dirigir e fiscalizar a atividade do empregado. Em linhas gerais, o que interessa é a possibilidade que assiste ao empregador de intervir na atividade do empregado. Por isso, nem sempre a subordinação jurídica se manifesta pela submissão a horário ou pelo controle direto do cumprimento de ordens”[5].


Assertiva “b”:

Correta, pela literalidade do art. 6º da CLT (no caso, antes da alteração em referência, posto que o concurso foi realizado em 2010).


Assertiva “c”:

Correta. A pessoalidade resta evidenciada não só pela obrigatoriedade das teleconferências, mas também pela própria natureza do trabalho. Com efeito, do trabalho intelectual normalmente decorre a infungibilidade. Quanto à não eventualidade, é importante ressaltar que a caracterização da mesma não depende de ser o trabalho ligado à atividade-fim do empreendimento, e sim de que seja atividade permanente no âmbito do empreendimento do tomador. Não obstante, é claro que a atividade-fim é permanente, razão pela qual é, também, não eventual. 


Assertiva “d”:

Correta, nos termos do disposto no art. 2º, §2º, da CLT, c/c a Súmula 129 do TST, segundo a qual “a prestação de serviços a mais de uma empresa do mesmo grupo econômico, durante a mesma jornada de trabalho, não caracteriza a coexistência de mais de um contrato de trabalho, salvo ajuste em contrário”.


Assertiva “e”:

Errada. O contrato de trabalho pode ser ajustado de forma expressa ou tácita, verbalmente ou por escrito (arts. 442 e 443 da CLT), bem como pode ser ajustado por prazo determinado (art. 443 da CLT). No caso, a natureza do serviço justifica a predeterminação do prazo.

Não havia controle e fiscalização diretos de horários, mas havia várias outros traços de subordinação, como os prazos para a realização de cada tarefa, o contato diário com os supervisores, a constante conexão do empregado mediante recursos tecnológicos de comunicação.

A utilização de equipamentos e instalações da empresa contratante não é essencial para caracterização da relação de emprego, tanto assim que a CLT não distingue entre o empregado que trabalha no estabelecimento do contratante e o que trabalha em sua própria residência (art. 6º).

A remuneração variável não guarda qualquer relação com o trabalho autônomo, sendo perfeitamente lícita a estipulação de remuneração variável para empregado, o que preenche perfeitamente o requisito onerosidade. O importante é o que o empregado preste serviços esperando uma contraprestação, ainda que variável. A natureza salarial decorre da realidade (princípio da primazia da realidade), e não das formalidades contratuais.

GABARITO: E

Destarte, pode-se dizer que o grande mérito da referida alteração do art. 6º da CLT é exatamente dirimir, de uma vez por todas, eventuais dúvidas ainda existentes acerca da caracterização da relação de emprego nas hipóteses de teletrabalho.

Nunca é demais lembrar que a caracterização da relação de emprego é objetiva, razão pela qual, presentes os requisitos caracterizadores dos artigos 3º e 2º da CLT (pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação), configurado estará o liame empregatício. Logo, não interessa onde os serviços são prestados, nem se a subordinação é exercida pessoalmente ou através de recursos tecnológicos.

Esta é a lógica que o concurseiro deve (continuar a) seguir.

Abraço e bons estudos!

Ricardo Resende













[1] PINTO, José Augusto Rodrigues. Tratado de Direito Material do Trabalho. – São Paulo : LTr, 2007, p. 133.
[2] GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de Direito do Trabalho. 4. ed. São Paulo : Forense, 2010, p. 228.
[3] BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 6. ed. São Paulo : LTr, 2010, p. 331.
[4] Comentários extraídos da Aula 00 (aula demonstrativa) do Curso de Exercícios de Direito do Trabalho para AFT, disponível em www.estrategiaconcursos.com.br.
[5] BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho, 6. ed., São Paulo : LTr, 2010, p. 268.