sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

O novo art. 6º da CLT, o teletrabalho e a subordinação



Caro colega concurseiro,

Antes de qualquer coisa, peço desculpas pela falta de atualização do blog nos últimos meses. Ocorreu que ao já costumeiro acúmulo de trabalho (a cada dia maior, graças a Deus) somaram-se, nos últimos tempos, outras circunstâncias de ordem pessoal, as quais impossibilitaram, em absoluto, que este espaço recebesse o devido cuidado.

Desde a última publicação, sobre o novo aviso prévio (e sei que ainda não escrevi realmente a respeito também), tivemos outra novidade legislativa, desta vez alterando a redação do art. 6º da CLT. Com efeito, a Lei nº 12.551, de 15.12.2011, publicada no DOU de 16.12.2011, conferiu ao art. 6º da CLT a seguinte redação:

Art. 6º Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego. (Redação dada pela Lei nº 12.551, de 2011)

Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio. (Incluído pela Lei nº 12.551, de 2011)

A novidade é relevante para o concurseiro, pois certamente o novo dispositivo será cobrado de forma frequente durante algum tempo, como normalmente ocorre com as alterações legislativas e jurisprudenciais. É sempre uma forma de a banca examinadora avaliar a atualização do candidato, bem como o dinamismo de sua preparação. Como diz o José Simão, “camarão dormiu, a onda leva...”

Na prática, entretanto, o novo art. 6º da CLT pouco acrescenta, ao passo que apenas torna explícito o entendimento que já havia sido consagrado há bastante tempo, tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência, acerca da caracterização da subordinação jurídica levada a efeito através de recursos tecnológicos de controle do trabalho à distância.

A este respeito, José Augusto Rodrigues Pinto observa que

“Nos países cujos níveis de tecnologia virtual já impelem a sociedade para a chamada era pós-industrial, essa modalidade sofisticada de prestação de trabalho começa a ser praticada crescentemente sob a denominação de teletrabalho. (grifo no original) Seu melhor conceito é o de uma atividade de produção ou de serviço que permite o contato à distância entre o apropriador e o prestador da energia pessoal. Desse modo, o comando, a execução e a entrega do resultado se completarão mediante o uso da tecnologia da informação, sobretudo a telecomunicação e a informática, substitutivas da relação humana direta[1].  (grifos meus)

No mesmo sentido, Gustavo Filipe Barbosa Garcia ensina que
“Em razão das peculiaridades da forma de exercício do referido labor, a subordinação e a pessoalidade podem exigir um exame mais cuidadoso do caso em concreto. De todo modo, havendo o controle e a direção quanto à forma do trabalho, mesmo que por meio de instrumentos eletrônicos, fica reconhecida a presença da subordinação jurídica[2].  (grifos meus)

Por fim, Alice Monteiro de Barros, com a precisão de sempre, ensina que

“Se o trabalhador se encontra, por exemplo, em conexão direta e permanente, por meio do computador, com o centro de dados da empresa, o empregador poderá fornecer instruções, controlar a execução de trabalho e comprovar a qualidade e a quantidade de tarefas de forma instantânea, como se o empregado estivesse no estabelecimento do empregador. A internet permite, inclusive, aferir o tempo de conexão do terminal do empregado, bem como quando foi acessado pela última vez o teclado. Esse controle revela, sem dúvida, a subordinação jurídica, que poderá estar presente ainda quando a execução do serviço seja desconectada (off line). Tudo irá depender da análise do programa de informática utilizado”[3]. (grifos meus)

Em consonância com este entendimento também encontramos questões de concursos anteriores, como, por exemplo, a seguinte:

(Juiz do Trabalho – 2ª Região – 2010)
André ajustou pacto verbal com a empresa Gama Informática Ltda., pelo prazo determinado de três meses, para a prestação dos serviços de criação e desenvolvimento, com exclusividade, de programas e aplicativos para utilização em máquinas de operação de cartões de crédito e débito. A empresa contratante Gama atua no ramo de consultoria na área de informática para operadoras de cartões de crédito. Ficou acordado entre as partes que as atividades de André poderiam ser realizadas na sua própria residência, desde que houvesse contato diário com os supervisores da Gama, por intermédio de teleconferência e correspondência eletrônica via e-mail. André definia os seus horários de trabalho devendo, entretanto, cumprir os prazos estipulados para cada tarefa. Quando o software passava a ser utilizado pelos clientes de Gama, André permanecia conectado à Internet e com uma linha telefônica exclusiva em sua residência para contatos, a qualquer momento, a fim de resolver problemas que surgissem na execução do programa. Caso precisasse sair de sua residência, André deveria portar telefone celular exclusivo e laptop, conectado à Internet. Ficou ajustada uma remuneração por programa desenvolvido, além de um pagamento extra para as horas em que André fosse contatado para solucionar os eventuais problemas na execução dos programas. Quanto aos elementos formadores da relação de emprego, analisando a hipótese apresentada, marque a alternativa incorreta.

A) Para a caracterização da subordinação jurídica, elemento essencial para a configuração do contrato de trabalho, não é obrigatório o estabelecimento de horários pré-determinados e a sua fiscalização, importando apenas a possibilidade do empregador intervir nas atividades do empregado.

B) A Consolidação das Leis do Trabalho não distingue o trabalho realizado no estabelecimento empresarial daquele desempenhado no domicílio do empregado, desde que presentes os pressupostos da relação de emprego.

C) Os requisitos da pessoalidade e da não eventualidade estão presentes no caso, em razão da obrigatoriedade das teleconferências e face à prestação de serviços ligados à atividade fim da empresa contratante.

D) Caso determinada operadora de cartões possuísse o controle acionário da empresa Gama, dirigindo e administrando os bens desta para a consecução de seus objetivos empresariais, ambas seriam consideradas empregadoras de André, em razão da teoria do “empregador único”.
 
E) André não poderia ser considerado empregado da empresa Gama em razão dos seguintes elementos fáticos: o contrato foi ajustado de forma verbal e pelo prazo determinado de apenas três meses; não havia controle e fiscalização de horários; não eram utilizados, pelo prestador dos serviços, os equipamentos e instalações da empresa contratante; bem como a remuneração era variável, não possuindo natureza salarial.
 
Comentários[4]:

Assertiva “a”:

Correta. É claro que a fiscalização ostensiva, a submissão a controle rígido de horário de trabalho, entre outros elementos, facilitam a caracterização da subordinação jurídica. Entretanto, não se exige tais elementos, notadamente no caso do trabalhador em domicílio, que tem o mesmo status jurídico do empregado que se ativa no estabelecimento do empregador (art. 6º da CLT), mas que naturalmente não se submete ao controle direto. Neste sentido, o entendimento doutrinário. Por todos, Alice Monteiro de Barros ensina que:

“Esse poder de comando do empregador não precisa ser exercido de forma constante, tampouco torna-se necessária a vigilância técnica contínua dos trabalhos efetuados, mesmo porque, em relação aos trabalhadores intelectuais, ela é difícil de ocorrer. O importante é que haja a possibilidade de o empregador dar ordens, comandar, dirigir e fiscalizar a atividade do empregado. Em linhas gerais, o que interessa é a possibilidade que assiste ao empregador de intervir na atividade do empregado. Por isso, nem sempre a subordinação jurídica se manifesta pela submissão a horário ou pelo controle direto do cumprimento de ordens”[5].


Assertiva “b”:

Correta, pela literalidade do art. 6º da CLT (no caso, antes da alteração em referência, posto que o concurso foi realizado em 2010).


Assertiva “c”:

Correta. A pessoalidade resta evidenciada não só pela obrigatoriedade das teleconferências, mas também pela própria natureza do trabalho. Com efeito, do trabalho intelectual normalmente decorre a infungibilidade. Quanto à não eventualidade, é importante ressaltar que a caracterização da mesma não depende de ser o trabalho ligado à atividade-fim do empreendimento, e sim de que seja atividade permanente no âmbito do empreendimento do tomador. Não obstante, é claro que a atividade-fim é permanente, razão pela qual é, também, não eventual. 


Assertiva “d”:

Correta, nos termos do disposto no art. 2º, §2º, da CLT, c/c a Súmula 129 do TST, segundo a qual “a prestação de serviços a mais de uma empresa do mesmo grupo econômico, durante a mesma jornada de trabalho, não caracteriza a coexistência de mais de um contrato de trabalho, salvo ajuste em contrário”.


Assertiva “e”:

Errada. O contrato de trabalho pode ser ajustado de forma expressa ou tácita, verbalmente ou por escrito (arts. 442 e 443 da CLT), bem como pode ser ajustado por prazo determinado (art. 443 da CLT). No caso, a natureza do serviço justifica a predeterminação do prazo.

Não havia controle e fiscalização diretos de horários, mas havia várias outros traços de subordinação, como os prazos para a realização de cada tarefa, o contato diário com os supervisores, a constante conexão do empregado mediante recursos tecnológicos de comunicação.

A utilização de equipamentos e instalações da empresa contratante não é essencial para caracterização da relação de emprego, tanto assim que a CLT não distingue entre o empregado que trabalha no estabelecimento do contratante e o que trabalha em sua própria residência (art. 6º).

A remuneração variável não guarda qualquer relação com o trabalho autônomo, sendo perfeitamente lícita a estipulação de remuneração variável para empregado, o que preenche perfeitamente o requisito onerosidade. O importante é o que o empregado preste serviços esperando uma contraprestação, ainda que variável. A natureza salarial decorre da realidade (princípio da primazia da realidade), e não das formalidades contratuais.

GABARITO: E

Destarte, pode-se dizer que o grande mérito da referida alteração do art. 6º da CLT é exatamente dirimir, de uma vez por todas, eventuais dúvidas ainda existentes acerca da caracterização da relação de emprego nas hipóteses de teletrabalho.

Nunca é demais lembrar que a caracterização da relação de emprego é objetiva, razão pela qual, presentes os requisitos caracterizadores dos artigos 3º e 2º da CLT (pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação), configurado estará o liame empregatício. Logo, não interessa onde os serviços são prestados, nem se a subordinação é exercida pessoalmente ou através de recursos tecnológicos.

Esta é a lógica que o concurseiro deve (continuar a) seguir.

Abraço e bons estudos!

Ricardo Resende













[1] PINTO, José Augusto Rodrigues. Tratado de Direito Material do Trabalho. – São Paulo : LTr, 2007, p. 133.
[2] GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de Direito do Trabalho. 4. ed. São Paulo : Forense, 2010, p. 228.
[3] BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 6. ed. São Paulo : LTr, 2010, p. 331.
[4] Comentários extraídos da Aula 00 (aula demonstrativa) do Curso de Exercícios de Direito do Trabalho para AFT, disponível em www.estrategiaconcursos.com.br.
[5] BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho, 6. ed., São Paulo : LTr, 2010, p. 268.

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