quinta-feira, 1 de maio de 2014

Horas in itinere - principais aspectos da interpretação jurisprudencial



Caro leitor, 


Neste artigo tecerei breves comentários sobre o entendimento jurisprudencial atual a respeito das horas in itinere


Apenas como contextualização da questão, vejamos o disposto no art. 58, §2º, da CLT: 

§ 2o O tempo despendido pelo empregado até o local de trabalho e para o seu retorno, por qualquer meio de transporte, não será computado na jornada de trabalho, salvo quando, tratando-se de local de difícil acesso ou não servido por transporte público, o empregador fornecer a condução.

Somando-se o referido dispositivo legal e a interpretação jurisprudencial dada pelo TST à matéria, consolidada nas Súmulas 90 e 320, temos, em resumo, o seguinte: 


a) Requisitos para caracterização das horas in itinere


1º) Local de difícil acesso ou não servido por transporte público regular

            → local de difícil acesso é, presumivelmente, aquele localizado em área rural. A presunção é relativa;

                  → Local não servido por transporte público regular é aquele:

                        - efetivamente não servido por transporte público;

                        - servido por transporte público intermitente, não havendo regularidade nos horários de saída do meio de transporte ao longo do dia;

                     - servido por transporte público, porém em horários incompatíveis com o horário de trabalho do empregado (há transporte público regular, porém apenas em parte do dia, não atendendo à necessidade do trabalhador; ocorre normalmente com os trabalhadores que entram ou saem do trabalho de madrugada.

            → O transporte público insuficiente, isto é, aquele regular, porém oferecido em quantidade insuficiente (há no ponto de ônibus, por exemplo, muito mais gente do que caberia, com o mínimo de conforto, no veículo), não enseja a caracterização de horas in itinere. Basta lembrar que, do contrário, todo trabalhador brasileiro faria jus às horas in itinere


2º) Fornecimento de condução pelo empregador


            → Não importa se o empregador cobra ou não pelo transporte fornecido, nem se o fornece diretamente ou por intermédio de terceiros.



b) Horas in itinere significam tempo à disposição do empregador. Logo, serão somadas à jornada de trabalho e, se a duração normal for extrapolada, serão devidas horas extras. Exemplo1: com jornada contratual de 8h, o empregado trabalha efetivamente 6h e gasta duas horas diárias de deslocamento (ida e volta), pelo que receberá as 8h (6h de trabalho + 2h de deslocamento) como horas normais. Exemplo2: com jornada contratual de 8h, o empregado trabalha efetivamente 7h e gasta duas horas diárias de deslocamento (ida e volta), pelo que receberá 8h (7h de trabalho e 1h de deslocamento, até completar a duração normal do trabalho) como horas normais, além de 1h como hora extra (correspondente à 2ª hora de deslocamento que, computada na jornada, extrapolou a duração normal do trabalho).



c) Se houver transporte público regular em parte do trajeto, serão devidas horas in itinere somente em relação à parte do trajeto não alcançado pelo transporte público (obviamente se houver fornecimento de condução pelo empregador). Exemplo: empregado gasta 1h de sua casa até o local de trabalho; o empregador fornece a condução; até a metade do trajeto (30min de deslocamento) há, entretanto, transporte público regular. Neste caso, o empregado fará jus a 30min como horas in itinere, considerando-se apenas a parte do trajeto não alcançada pelo transporte público regular.



Esta parte inicial não oferece maiores dificuldades, visto que consolidada na jurisprudência do TST. O assunto merece maior atenção naquilo que diz respeito aos aspectos cujo entendimento ainda não está totalmente amadurecido no âmbito do TST. Vejamos o principal.

Possibilidade de flexibilização do tempo in itinere por ACT ou CCT

Transcrevo abaixo o trecho respectivo da 4ª edição do Direito do Trabalho Esquematizado (RESENDE, Ricardo. Direito do Trabalho Esquematizado. 4. ed. São Paulo: Método, 2014, p. 332-335), no qual o entendimento jurisprudencial está rigorosamente atualizado:

Discute-se a possibilidade de convenções coletivas de trabalho ou acordos coletivos de trabalho estabelecerem a isenção do pagamento das horas in itinere, ou ainda a instituição de um teto máximo a esse título. 


Uma primeira corrente defende que não seria possível tal previsão, visto que consistiria em afronta ao disposto no art. 444 da CLT, por violação de direito garantido por norma de ordem pública. É importante ressaltar que a CRFB permitiu a redução de direitos trabalhistas por via da negociação coletiva apenas em duas hipóteses, quais sejam a redução de salário (art. 7º, VI) e a flexibilização do limite de seis horas da jornada em turno ininterrupto de revezamento (art. 7º, XIV). Este é o entendimento, entre outros, de Alice Monteiro de Barros (BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 6. ed. São Paulo: LTr, 2010, p. 671) e Gustavo Filipe Barbosa Garcia (GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de Direito do Trabalho, p. 116-119). 


Neste sentido, já decidiu o TST:



Agravo de instrumento. Recurso de revista. Rito sumaríssimo. Horas in itinere. Acordo coletivo de trabalho. Período posterior à edição da Lei nº 10.243/2001. Validade. A Lei 10.243/2001 acrescentou o § 2º ao art. 58 da CLT, passando o conceito de horas in itinere, que decorria de construção jurisprudencial, a ser um direito legalmente assegurado aos trabalhadores. O entendimento que vem sendo firmado nesta Corte é o de que as normas coletivas que reduzem o pagamento das horas in itinere, ajustadas após a vigência da Lei 10.243/2001, não são válidas (TST, AIRR 51019/2004-025-09-40, 6ª Turma, Rel. Min. Rosa Maria Weber Candiota da Rosa, DJ 30.11.2007).



Mencione-se, entretanto, a existência de corrente doutrinária e jurisprudencial, esta última atualmente majoritária, que admite a pactuação de cláusula de instrumento coletivo limitando o pagamento de horas in itinere, desde que, da análise sistemática do instrumento coletivo (teoria do conglobamento), reste evidenciado a aquisição de alguma vantagem pelo trabalhador em contrapartida à flexibilização do pagamento das horas in itinere, de modo que, como um todo, a norma coletiva seja mais favorável ao trabalhador.


Embora eu concorde com os argumentos da primeira corrente, tem prevalecido na jurisprudência do TST o entendimento da segunda corrente, desdobrando a questão em duas vertentes:



a) A supressão da remuneração das horas in itinere mediante negociação coletiva é vedada, por contrariar norma cogente. 


Neste sentido, os seguintes arestos do TST:

Horas in itinere. Supressão por norma coletiva. Impossibilidade. Após a vigência da Lei nº 10.243/2001, é inválido o instrumento coletivo que procede à supressão total do direito às horas in itinere, disciplinado no artigo 58, § 2º, da CLT, por se tratar de norma cogente. Precedentes desta Subseção Especializada. Recurso de embargos conhecido e não provido (TST, SDI-1, E-ED-RR-117100-41.2009.5.12.0053, Rel. Min. Dora Maria da Costa, j. 14.11.2013, DEJT 22.11.2013).

Horas in itinere. Supressão do pagamento mediante norma coletiva. Inválida. Após a entrada em vigor do § 2º do art. 58 da CLT, é inválida a supressão da remuneração das horas de percurso mediante norma coletiva. Precedentes. Recurso de Embargos de que se conhece em parte e a que se nega provimento (TST, SDI-1, E-ED-RR-78200-86.2008.5.17.0181, Rel. Min. João Batista Brito Pereira, j. 03.10.2013, DEJT 11.10.2013).

b) O estabelecimento de um valor fixo para remuneração das horas in itinere, entretanto, é válido se efetuado mediante negociação coletiva

A título de exemplo, mencione-se o seguinte julgado recente do TST:

Horas in itinere. Limitação. Acordo coletivo. Validade. O entendimento desta Corte, fundado no art. 7º, XXVI, da Constituição da República firmou-se no sentido de prestigiar a negociação coletiva. Entretanto, para as situações a partir da vigência da Lei 10.243, de 19 de junho de 2001 (art. 58 da CLT), a jurisprudência vem repudiando a supressão integral do pagamento das horas in itinere, por meio de negociação coletiva. Trata-se de direito assegurado por norma de ordem pública, razão por que não é dado às partes negociarem para suprimi-lo. A situação dos autos, entretanto, é de limitação a uma hora diária de percurso via regular negociação coletiva, situação que a jurisprudência desta Corte prestigia. (...) (TST, 5ª Turma, RR – 771-39.2011.5.09.0091, Rel. Min. João Batista Brito Pereira, DEJT 31.10.2012).

Entretanto, atenção: a SDI-1 do TST tem equiparado à supressão das horas in itinere a fixação destas em patamares substancialmente inferiores ao tempo de deslocamento efetivamente gasto. Para tal, o Colendo Tribunal tem utilizado como parâmetro objetivo para validação da norma coletiva a estipulação de tempo in itinere igual ou superior a 50% do tempo efetivamente gasto. Neste sentido, os seguintes julgados:

Recurso de embargos. Horas in itinere. Limitação por negociação coletiva. Recurso de revista da reclamada conhecido e provido. O artigo 7º, inciso XXVI, da Constituição Federal impõe a observância do reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho, como postulado de direito social inserido no título dos direitos e garantias fundamentais do Texto Constitucional. Esse preceito constitucional contém, assim, regra de alcance objetivo pelo caráter coletivo da norma, não excepcionando os sujeitos que a convencionam, se inseridos ou não no âmbito de aplicação do § 3º do artigo 58 da CLT, para efeito de validade de cláusula relativa a horas de percurso. Todavia, não obstante o reconhecimento das normas coletivas pela Constituição Federal, há de ser refutada a possibilidade de flexibilização que resulte em supressão de direitos trabalhistas tutelados por normas de caráter cogente, considerando o caso concreto, em que não há proporcionalidade ou razoabilidade entre o tempo efetivamente despendido pelo empregado no trajeto (3 horas) e aquele prefixado em norma coletiva (1 hora). Precedentes. Recurso de embargos conhecido e provido (TST, SDI-1, E-RR-1222-64.2011.5.09.0091, Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga, j. 21.11.2013, DEJT 29.11.2013).

Horas in itinere. Redução via negociação coletiva. Princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Invalidade da norma coletiva. Esta e. Subseção tem entendido que deve prevalecer o acordo coletivo celebrado pela entidade sindical representativa da categoria dos trabalhadores, tendo por base a livre estipulação entre as partes, desde que respeitados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, bem como o princípio de proteção ao trabalho. Assim, considera-se intolerável a simples supressão ou renúncia de direitos, o que aqui se verifica. Na hipótese, o empregado despendia 160 (cento e sessenta) minutos – 2h40min – diários no trajeto e a norma coletiva remunerava apenas 60 (sessenta) minutos – 1h – diários. Foi desconsiderado na negociação coletiva o percentual de 62,5%, fato que conduz à conclusão inarredável de que não foram respeitados os parâmetros de razoabilidade e da proporcionalidade. Não se trata de mera limitação, mas sim de supressão de direitos. Recurso de embargos provido (TST, SDI-1, Ag-E-RR-96400-39.2008.5.09.0093, Rel. Min. Alexandre de Souza Agra Belmonte, j. 14.11.2013, DEJT 22.11.2013).

2. Horas in itinere. Limitação por norma coletiva. 1. Em relação à validade da norma coletiva que limita o pagamento das horas in itinere, esta Subseção Especializada fixou a tese de que, além das hipóteses de supressão total, também a redução desproporcional do direito às horas in itinere configura a invalidade na norma coletiva. E não obstante a dificuldade em se estabelecer um critério pautado na razoabilidade para, em função dele, extrair a conclusão acerca da validade ou da invalidade da norma coletiva, esta Especializada decidiu, aplicando um critério com ponderação, que, se a diferença entre o tempo de percurso e o tempo pago em razão da norma coletiva não exceder a 50%, admite-se a flexibilização pela via negocial. 2. Na hipótese dos autos, observa-se que a Turma não consignou o tempo gasto no trajeto, sendo certo que também não consta da transcrição da decisão regional, constante do acórdão turmário, a duração do tempo gasto no deslocamento da reclamante até o trabalho. 3. Dentro deste contexto, os embargos não têm o condão de ultrapassar o conhecimento, pois ausente o registro do tempo de deslocamento, não há como se reputar válida, ou não, a norma coletiva, porque não tem como se saber se houve, ou não, a observância do parâmetro objetivo adotado por este órgão uniformizador de jurisprudência interna corporis, qual seja a redução das horas in itinere na proporção de 50% (cinquenta por cento). Recurso de embargos não conhecido (TST, SDI-1, E-RR-96900-08.2008.5.09.0093, Rel. Min. Dora Maria da Costa, j. 14.11.2013, DEJT 22.11.2013).

Horas in itinere. Definição de número fixo de horas a serem pagas. Diferença entre o tempo real despendido no percurso e o número fixo previsto no acordo coletivo. Princípio da razoabilidade. Com fundamento no art. 7º, inc. XXVI, da Constituição da República, esta Corte vem prestigiando a autonomia da negociação coletiva na definição de um número fixo de horas in itinere a serem pagas. Eventual diferença entre o número de horas fixas e o número de horas efetivamente despendidas no trajeto pode ser tolerada, desde que respeitado o limite ditado pela proporcionalidade e pela razoabilidade na definição do número fixo de horas a serem pagas, com o fim de não desbordar para a supressão do direito do empregado, se a negociação resultar na fixação de uma quantidade de horas inferior a 50% do tempo real despendido no percurso. Destes autos, extrai-se que o tempo efetivo de deslocamento do reclamante era de 3 (três) horas diárias e que a norma coletiva limitou o pagamento de horas in itinere a 1 (uma) hora por dia, revelando que o tempo previsto na norma não atinge sequer 50% do tempo despendido pelo reclamante no percurso, não se constatando a observância do critério da proporcionalidade. Honorários advocatícios ou assistenciais. A Turma não emitiu juízo sobre essa matéria e o reclamante não opôs Embargos de Declaração para obter manifestação a respeito (Súmula 297 desta Corte). Recurso de Embargos de que se conhece em parte e a que se dá provimento (TST, SDI-1, E-RR-2032-73.2010.5.09.0091, Rel. Min. João Batista Brito Pereira, j. 17.10.2013, DEJT 25.10.2013).

Para provas objetivas, recomendo o alinhamento ao entendimento atual do TST, ou seja, é inválida a supressão da remuneração das horas in itinere, mas é admitida a fixação de teto máximo a este título, desde que mediante negociação coletiva, consubstanciada em instrumento coletivo de trabalho (ACT ou CCT), e desde que o patamar estipulado seja compatível com a realidade.


Na eventualidade de a questão ser cobrada em uma prova subjetiva, abre-se a oportunidade para o candidato expor as duas correntes, bem como seus fundamentos, e dar sua opinião sobre o assunto.

Tempo em que o empregado aguarda a condução

Recentemente a SDI-1 do TST entendeu que é computável como tempo à disposição do empregador também aquele em que o empregado permanece aguardando o transporte fornecido pelo empregador, desde que ultrapassado o limite de dez minutos diários, a exemplo do que é aplicável ao tempo residual. A decisão foi publicada no Informativo nº 80 do TST, nos seguintes termos: 

Transporte fornecido pela empresa. Espera. Tempo à disposição do empregador. Configuração. Presentes os requisitos necessários ao deferimento das horas in itinere, também é considerado tempo à disposição do empregador aquele em que o empregado aguarda o transporte fornecido pela empresa. Todavia, tendo em conta que a jurisprudência do TST admite certa flexibilização quanto ao cômputo de pequenas variações de tempo (Súmulas nºs 366 e 429 do TST), devem ser tolerados dez minutos diários para a fixação da jornada. Ultrapassado esse limite, porém, todo o tempo despendido deve ser computado. Com esse entendimento, a SBDI-I, por unanimidade, conheceu dos embargos interpostos pelo reclamado, por divergência jurisprudencial e, no mérito, por maioria, negou-lhes provimento, prevalecendo, portanto, a decisão do TRT que manteve o deferimento de trinta minutos diários a título de horas de espera. Vencidos os Ministros João Oreste Dalazen e Renato de Lacerda Paiva, que davam provimento ao recurso para afastar da condenação o tempo em que o empregado aguarda a condução, por entenderem que não há amparo legal para considerá-lo tempo à disposição do empregador. TST-E-RR-96-81.2012.5.18.0191, SBDI-I, rel. Min. Alexandre Agra Belmonte, 24.4.2014.

É claro que esta questão ainda demanda maior maturação, mas o entendimento acima deve ser registrado desde já, com o cuidado de se acompanhar a evolução jurisprudencial. Em relação ao aspecto anterior (possibilidade de fixação do tempo in itinere por norma coletiva), por exemplo, foram inúmeras as decisões contraditórias da SDI-1 nos últimos dois anos, várias delas inclusive publicadas no Informativo do TST, sendo que apenas no final de 2013 a matéria passou a ser tratada de maneira mais ou menos uniforme, embora ainda não totalmente consolidada, no sentido do estabelecimento do patamar de 50%, no mínimo, do tempo efetivamente gasto com o deslocamento, como medida de razoabilidade.

Abraço e bons estudos! 

Ricardo Resende