sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Adicional de insalubridade OU de periculosidade, ao menos por enquanto



Caro aluno/leitor,

A questão que abordarei hoje é, em minha opinião, uma das mais absurdas de todo o Direito do Trabalho no Brasil: a impossibilidade de percepção cumulada dos adicionais de insalubridade e de periculosidade pelo empregado, ainda que a atividade desenvolvida seja, concomitantemente, insalubre e perigosa. 

Tal entendimento decorre de interpretação dada ao art. §2º do art. 193 da CLT. Vejamos o texto legal: 

Art. 193. São consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a
I - inflamáveis, explosivos ou energia elétrica;      
II - roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial.      
§ 1º - O trabalho em condições de periculosidade assegura ao empregado um adicional de 30% (trinta por cento) sobre o salário sem os acréscimos resultantes de gratificações, prêmios ou participações nos lucros da empresa.
§ 2º - O empregado poderá optar pelo adicional de insalubridade que porventura lhe seja devido. (grifos meus)
§ 3º Serão descontados ou compensados do adicional outros da mesma natureza eventualmente já concedidos ao vigilante por meio de acordo coletivo.   
§ 4o São também consideradas perigosas as atividades de trabalhador em motocicleta.

A partir da redação do supramencionado §2º, sempre se entendeu, de forma majoritária, que, sendo a atividade insalubre e perigosa, deve o empregado optar por um dos adicionais, ou seja, não tem direito a receber ambos simultaneamente. Neste sentido, a jurisprudência amplamente majoritária, da qual se podem mencionar, a título de exemplo, os seguintes arestos recentes:

RECURSO DE REVISTA. 1. ADICIONAIS DE INSALUBRIDADE E PERICULOSIDADE. PAGAMENTO NÃO CUMULATÓRIO. OPÇÃO POR UM DOS ADICIONAIS. Ressalvado o entendimento do Relator, o fato é que, segundo a jurisprudência dominante nesta Corte, é válida a regra do art. 193, §2º, da CLT, que dispõe sobre a não cumulação entre os adicionais de periculosidade e de insalubridade, cabendo a opção, pelo empregado, entre os dois adicionais. Assim, se o obreiro já percebia o adicional de insalubridade, porém entende que a percepção do adicional de periculosidade lhe será mais vantajosa, pode requerê-lo, ou o contrário. O recebimento daquele adicional não é óbice para o acolhimento do pedido de pagamento deste, na medida em que a lei veda apenas a percepção cumulativa de ambos os adicionais. Todavia, nessa situação, a condenação deve estar limitada ao pagamento de diferenças entre um e outro adicional. Para o Relator, caberia o pagamento das duas verbas efetivamente diferenciadas (adicional de periculosidade e o de insalubridade), à luz do art. 7º, XXIII, da CF, e do art. 11-b da Convenção 155 da OIT, por se tratar de fatores e, principalmente, de verbas/parcelas manifestamente diferentes, não havendo bis in idem. Recurso de revista conhecido e parcialmente provido no tema. (...) (TST, 3ª Turma, RR-1643-07.2012.5.04.0205, Rel. Min. Mauricio Godinho Delgado, DEJT 19/09/2014.)

(...) RECURSO DE REVISTA ADESIVO DA RECLAMANTE. ADICIONAL DE PERICULOSIDADE E DE INSALUBRIDADE. CUMULAÇÃO. O § 2.º do art. 193 da CLT veda a cumulação dos adicionais de periculosidade e insalubridade, podendo, no entanto, o empregado fazer a opção pelo que lhe for mais benéfico. Precedentes. Recurso de Revista não conhecido. (TST, 4ª Turma, RR-102-79.2012.5.04.0029, Rel. Min. Maria de Assis Calsing, DEJT 12/09/2014.)

(...) CUMULAÇÃO DOS ADICIONAIS DE INSALUBRIDADE E PERICULOSIDADE Nos termos da jurisprudência pacífica do Eg. TST, não há falar em pagamento cumulativo dos adicionais de insalubridade e periculosidade. O artigo 193, § 2º, da CLT deixa claro que o empregado pode optar pelo adicional que porventura lhe seja devido. Precedentes. Recurso de Revista parcialmente conhecido e provido. (TST, 8ª Turma, RR-99-87.2012.5.04.0009, Rel. Des. Convocado: João Pedro Silvestrin, DEJT 19/09/2014.)

A melhor doutrina, todavia, embora venha reconhecendo a supremacia da mencionada interpretação, não deixa de criticá-la, a meu ver com total razão. Neste sentido, Gustavo Filipe Barbosa Garcia adverte que 

“(...) como o art. 193, §2º, da CLT assegura o direito do empregado de optar entre o adicional de periculosidade e o adicional de insalubridade, tende a prevalecer o entendimento de que ele não faz jus ao recebimento de ambos os adicionais ao mesmo tempo, entendimento este que, no entanto, merece fundada crítica, pois, se o empregado está exposto tanto ao agente insalubre como também à periculosidade, nada mais justo e coerente do que receber ambos os adicionais (art. 7º, inciso XXIII, da CF/1988), uma vez que os fatos geradores são distintos e autônomos. Além disso, a restrição a apenas um dos adicionais acaba desestimulando que a insalubridade e a periculosidade sejam eliminadas e neutralizadas, o que estaria em desacordo com o art. 7º, inciso XXII, da Constituição Federal de 1988”[1] (grifos no original). 

Em posição semelhante, Homero Batista Mateus da Silva pondera: 

“Se o ambiente era efetivamente insalubre, porque ruidoso e úmido, por exemplo, e perigoso, porque estocava pólvora, por que razão jurídica ou científica o empregado deve ser contemplado apenas com um dos dois adicionais? Por que a proteção não abrange os dois simultaneamente?

Ora, as medidas de proteção não são optáveis pelo empregador, devendo atuar simultaneamente no fornecimento dos protetores de ouvido e de pele e, também, buscar atenuar os riscos de uma explosão. O PCMSO e o PPRA também são cumuláveis na luta em prol de um ambiente equilibrado. A CIPA e o SESMT também devem se ocupar sincronicamente das causas de insalubridade e de periculosidade.

(...)

Todavia, até que seja revogado por legislação superveniente, o art. 193 tem sido entendido como uma obrigação alternativa, nos moldes da previsão da legislação civil. Em outras palavras, quando o art. 7º, XXIII, da Constituição Federal de 1988, mencionou que os adicionais seriam fixados ‘na forma da lei’, não deixou assegurado ao empregado que ele necessariamente auferiria todos os adicionais, nem qual seria o sistema de cálculo, razão pela qual se tolera até hoje que o adicional de penosidade simplesmente inexista e, ainda, que o adicional de insalubridade e o adicional de periculosidade não sejam cumuláveis”[2]

Hoje o Tribunal Superior do Trabalho noticiou decisão da 7ª Turma que pode ser histórica, no sentido da rediscussão da matéria. Transcrevo integralmente a notícia, dada a sua importância: 

“Um empregado da Amsted Maxion Fundição e Equipamentos Ferroviários S. A. vai receber acumuladamente os adicionais de insalubridade e periculosidade.  A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho afastou a argumentação de que o artigo 193, parágrafo 2º, da CLT prevê a opção pelo adicional mais favorável ao trabalhador e negou provimento ao recurso da empresa, sob o entendimento de que normas constitucionais e supralegais, hierarquicamente superiores à CLT, autorizam a cumulação dos adicionais.

De acordo com o relator do recurso, ministro Cláudio Brandão, a Constituição da República, no artigo 7º, inciso XXIII, garantiu de forma plena o direito ao recebimento dos adicionais de penosidade, insalubridade e periculosidade, sem qualquer ressalva quanto à cumulação, não recepcionando assim aquele dispositivo da CLT. Em sua avaliação, a acumulação se justifica em virtude de os fatos geradores dos direitos serem diversos e não se confundirem.
Segundo o ministro, a cumulação dos adicionais não implica pagamento em dobro, pois a insalubridade diz respeito à saúde do empregado quanto às condições nocivas do ambiente de trabalho, enquanto a periculosidade "traduz situação de perigo iminente que, uma vez ocorrida, pode ceifar a vida do trabalhador, sendo este o bem a que se visa proteger".

Normas internacionais 

O relator explicou que a opção prevista na CLT é inaplicável também devido à introdução no sistema jurídico brasileiro das Convenções 148 e 155 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), "que têm status de norma materialmente constitucional ou, pelo menos, supralegal", como foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal. A Convenção 148 "consagra a necessidade de atualização constante da legislação sobre as condições nocivas de trabalho", e a 155 determina que sejam levados em conta os "riscos para a saúde decorrentes da exposição simultânea a diversas substâncias ou agentes".

Tais convenções, afirmou o relator, superaram a regra prevista na CLT e na Norma Regulamentadora 16 do Ministério do Trabalho e Emprego, no que se refere à percepção de apenas um adicional quando o trabalhador estiver sujeito a condições insalubres e perigosas no trabalho. "Não há mais espaço para a aplicação do artigo 193, parágrafo 2º, da CLT", assinalou.
A decisão foi unânime.

(Mário Correia/CF)



Ressalte-se que tal decisão é, por enquanto, isolada (no âmbito do TST, pois se encontram decisões neste sentido em alguns Tribunais Regionais do Trabalho), pelo que deve continuar prevalecendo, ao menos num futuro próximo, o entendimento tradicional. Para concursos, portanto, nada muda por enquanto, salvo em uma eventual questão discursiva, que permitiria ao candidato expor as duas correntes. De qualquer forma, vale a pena acompanhar os possíveis desdobramentos desta paradigmática decisão da 7ª Turma. 

Forte abraço e bons estudos! 

Ricardo Resende
facebook.com/ricoresende





[1] GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de Direito do Trabalho. 7. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 403.
[2] SILVA, Homero Batista Mateus da. Direito do Trabalho aplicado, vol. 3: segurança e medicina do trabalho, trabalho da mulher e do menor. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 108.

quinta-feira, 31 de julho de 2014

Trabalho temporário: prazo do contrato



Caros alunos, 

Recentemente foi alterado o limite máximo do prazo do contrato de trabalho temporário para as hipóteses em que há autorização do MTE, o que tem suscitado dúvidas entre os concurseiros. 

Todavia, a questão, notadamente no que diz respeito aos concursos públicos, é bastante tranquila, visto que a Lei nº 6.019/1974 continua inalterada. Com efeito, o art. 10 da supramencionada Lei dispõe sobre o prazo do contrato de trabalho temporário, nos seguintes termos: 

Art. 10 - O contrato entre a empresa de trabalho temporário e a empresa tomadora ou cliente, com relação a um mesmo empregado, não poderá exceder de três meses, salvo autorização conferida pelo órgão local do Ministério do Trabalho e Previdência Social, segundo instruções a serem baixadas pelo Departamento Nacional de Mão-de-Obra.

Portanto, o prazo legal é de até três meses, e normalmente é este o prazo cobrado nas provas de concursos públicos. Ocorre que tal prazo pode ser ampliado, mediante autorização do Ministério do Trabalho e Emprego, segundo instruções próprias, baixadas mediante ato infralegal (em regra não cobrado nos concursos). 

A possibilidade de ampliação do prazo do contrato de trabalho temporário era regida, até junho de 2014, pela Portaria MTE nº 550, de 12.03.2010 (DOU 15/03/2010), a qual estabelecia que, “mediante autorização prévia do órgão regional do Ministério do Trabalho e Emprego - MTE, o prazo de vigência do contrato poderá ser ampliado para até seis meses, quando: I - houver prorrogação do contrato de trabalho temporário, limitada a uma única vez; II - ocorrerem circunstâncias que justifiquem a celebração do contrato de trabalho temporário por período superior a três meses” (art. 2º, parágrafo único). 

Recentemente, entretanto, foi publicada a Portaria MTE nº 789, de 02/06/2014 (DOU 03/06/2014), com vigência a partir de 01/07/2014, a qual passou a estabelecer a possibilidade de ampliação do prazo do contrato de trabalho temporário para até 9 (nove) meses. Atualmente, portanto, a questão encontra-se regulada pelos artigos 2º e 3º da Portaria 789/2014, in verbis

Art. 2º Na hipótese legal de substituição transitória de pessoal regular e permanente, o contrato poderá ser pactuado por mais de três meses com relação a um mesmo empregado, nas seguintes situações:
I – quando ocorrerem circunstâncias, já conhecidas na data da sua celebração, que justifiquem a contratação de trabalhador temporário por período superior a três meses;
ou
II – quando houver motivo que justifique a prorrogação de contrato de trabalho temporário, que exceda o prazo total de três meses de duração.
Parágrafo único. Observadas as condições estabelecidas neste artigo, a duração do contrato de trabalho temporário, incluídas as prorrogações, não pode ultrapassar um período total de nove meses.

Art. 3º Na hipótese legal de acréscimo extraordinário de serviços, será permitida prorrogação do contrato de trabalho temporário por até três meses além do prazo previsto no art. 10 da Lei 6.019, de 3 de janeiro de 1974, desde que perdure o motivo justificador da contratação. 

Observe-se que a possibilidade de ampliação do prazo para até 9 (nove) meses vale apenas para a hipótese de substituição transitória de pessoal regular e permanente, e não para a hipótese de acréscimo extraordinário de serviço, para a qual continua valendo o limite de até três meses de ampliação do prazo legal

Resumo




Como mencionado anteriormente, não é usual a cobrança de atos infralegais nos concursos públicos, razão pela qual, em regra, não há motivo para preocupação com as Portarias do MTE.

Em tempo, e aproveitando a oportunidade, seguem algumas assertivas importantes sobre o trabalho temporário, úteis para revisão rápida: 

Deixadinha 1: Trabalho temporário é aquele prestado por pessoa física a uma empresa, para atender à necessidade transitória de substituição de seu pessoal regular e permanente ou a acréscimo extraordinário de serviços. 

Deixadinha 2: O contrato de trabalho temporário constitui modalidade especial de contrato de emprego e exige a forma escrita. 

Deixadinha 3: O trabalhador temporário é contratado pela empresa de trabalho temporário que, por sua vez, é contratada pela tomadora dos serviços. 

Deixadinha 4: O trabalho temporário é a única hipótese legal de intermediação de mão de obra, de forma que o trabalhador temporário está subordinado diretamente ao tomador dos serviços. 

Abraço e bons estudos! 

Ricardo Resende
 

quinta-feira, 1 de maio de 2014

Horas in itinere - principais aspectos da interpretação jurisprudencial



Caro leitor, 


Neste artigo tecerei breves comentários sobre o entendimento jurisprudencial atual a respeito das horas in itinere


Apenas como contextualização da questão, vejamos o disposto no art. 58, §2º, da CLT: 

§ 2o O tempo despendido pelo empregado até o local de trabalho e para o seu retorno, por qualquer meio de transporte, não será computado na jornada de trabalho, salvo quando, tratando-se de local de difícil acesso ou não servido por transporte público, o empregador fornecer a condução.

Somando-se o referido dispositivo legal e a interpretação jurisprudencial dada pelo TST à matéria, consolidada nas Súmulas 90 e 320, temos, em resumo, o seguinte: 


a) Requisitos para caracterização das horas in itinere


1º) Local de difícil acesso ou não servido por transporte público regular

            → local de difícil acesso é, presumivelmente, aquele localizado em área rural. A presunção é relativa;

                  → Local não servido por transporte público regular é aquele:

                        - efetivamente não servido por transporte público;

                        - servido por transporte público intermitente, não havendo regularidade nos horários de saída do meio de transporte ao longo do dia;

                     - servido por transporte público, porém em horários incompatíveis com o horário de trabalho do empregado (há transporte público regular, porém apenas em parte do dia, não atendendo à necessidade do trabalhador; ocorre normalmente com os trabalhadores que entram ou saem do trabalho de madrugada.

            → O transporte público insuficiente, isto é, aquele regular, porém oferecido em quantidade insuficiente (há no ponto de ônibus, por exemplo, muito mais gente do que caberia, com o mínimo de conforto, no veículo), não enseja a caracterização de horas in itinere. Basta lembrar que, do contrário, todo trabalhador brasileiro faria jus às horas in itinere


2º) Fornecimento de condução pelo empregador


            → Não importa se o empregador cobra ou não pelo transporte fornecido, nem se o fornece diretamente ou por intermédio de terceiros.



b) Horas in itinere significam tempo à disposição do empregador. Logo, serão somadas à jornada de trabalho e, se a duração normal for extrapolada, serão devidas horas extras. Exemplo1: com jornada contratual de 8h, o empregado trabalha efetivamente 6h e gasta duas horas diárias de deslocamento (ida e volta), pelo que receberá as 8h (6h de trabalho + 2h de deslocamento) como horas normais. Exemplo2: com jornada contratual de 8h, o empregado trabalha efetivamente 7h e gasta duas horas diárias de deslocamento (ida e volta), pelo que receberá 8h (7h de trabalho e 1h de deslocamento, até completar a duração normal do trabalho) como horas normais, além de 1h como hora extra (correspondente à 2ª hora de deslocamento que, computada na jornada, extrapolou a duração normal do trabalho).



c) Se houver transporte público regular em parte do trajeto, serão devidas horas in itinere somente em relação à parte do trajeto não alcançado pelo transporte público (obviamente se houver fornecimento de condução pelo empregador). Exemplo: empregado gasta 1h de sua casa até o local de trabalho; o empregador fornece a condução; até a metade do trajeto (30min de deslocamento) há, entretanto, transporte público regular. Neste caso, o empregado fará jus a 30min como horas in itinere, considerando-se apenas a parte do trajeto não alcançada pelo transporte público regular.



Esta parte inicial não oferece maiores dificuldades, visto que consolidada na jurisprudência do TST. O assunto merece maior atenção naquilo que diz respeito aos aspectos cujo entendimento ainda não está totalmente amadurecido no âmbito do TST. Vejamos o principal.

Possibilidade de flexibilização do tempo in itinere por ACT ou CCT

Transcrevo abaixo o trecho respectivo da 4ª edição do Direito do Trabalho Esquematizado (RESENDE, Ricardo. Direito do Trabalho Esquematizado. 4. ed. São Paulo: Método, 2014, p. 332-335), no qual o entendimento jurisprudencial está rigorosamente atualizado:

Discute-se a possibilidade de convenções coletivas de trabalho ou acordos coletivos de trabalho estabelecerem a isenção do pagamento das horas in itinere, ou ainda a instituição de um teto máximo a esse título. 


Uma primeira corrente defende que não seria possível tal previsão, visto que consistiria em afronta ao disposto no art. 444 da CLT, por violação de direito garantido por norma de ordem pública. É importante ressaltar que a CRFB permitiu a redução de direitos trabalhistas por via da negociação coletiva apenas em duas hipóteses, quais sejam a redução de salário (art. 7º, VI) e a flexibilização do limite de seis horas da jornada em turno ininterrupto de revezamento (art. 7º, XIV). Este é o entendimento, entre outros, de Alice Monteiro de Barros (BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 6. ed. São Paulo: LTr, 2010, p. 671) e Gustavo Filipe Barbosa Garcia (GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de Direito do Trabalho, p. 116-119). 


Neste sentido, já decidiu o TST:



Agravo de instrumento. Recurso de revista. Rito sumaríssimo. Horas in itinere. Acordo coletivo de trabalho. Período posterior à edição da Lei nº 10.243/2001. Validade. A Lei 10.243/2001 acrescentou o § 2º ao art. 58 da CLT, passando o conceito de horas in itinere, que decorria de construção jurisprudencial, a ser um direito legalmente assegurado aos trabalhadores. O entendimento que vem sendo firmado nesta Corte é o de que as normas coletivas que reduzem o pagamento das horas in itinere, ajustadas após a vigência da Lei 10.243/2001, não são válidas (TST, AIRR 51019/2004-025-09-40, 6ª Turma, Rel. Min. Rosa Maria Weber Candiota da Rosa, DJ 30.11.2007).



Mencione-se, entretanto, a existência de corrente doutrinária e jurisprudencial, esta última atualmente majoritária, que admite a pactuação de cláusula de instrumento coletivo limitando o pagamento de horas in itinere, desde que, da análise sistemática do instrumento coletivo (teoria do conglobamento), reste evidenciado a aquisição de alguma vantagem pelo trabalhador em contrapartida à flexibilização do pagamento das horas in itinere, de modo que, como um todo, a norma coletiva seja mais favorável ao trabalhador.


Embora eu concorde com os argumentos da primeira corrente, tem prevalecido na jurisprudência do TST o entendimento da segunda corrente, desdobrando a questão em duas vertentes:



a) A supressão da remuneração das horas in itinere mediante negociação coletiva é vedada, por contrariar norma cogente. 


Neste sentido, os seguintes arestos do TST:

Horas in itinere. Supressão por norma coletiva. Impossibilidade. Após a vigência da Lei nº 10.243/2001, é inválido o instrumento coletivo que procede à supressão total do direito às horas in itinere, disciplinado no artigo 58, § 2º, da CLT, por se tratar de norma cogente. Precedentes desta Subseção Especializada. Recurso de embargos conhecido e não provido (TST, SDI-1, E-ED-RR-117100-41.2009.5.12.0053, Rel. Min. Dora Maria da Costa, j. 14.11.2013, DEJT 22.11.2013).

Horas in itinere. Supressão do pagamento mediante norma coletiva. Inválida. Após a entrada em vigor do § 2º do art. 58 da CLT, é inválida a supressão da remuneração das horas de percurso mediante norma coletiva. Precedentes. Recurso de Embargos de que se conhece em parte e a que se nega provimento (TST, SDI-1, E-ED-RR-78200-86.2008.5.17.0181, Rel. Min. João Batista Brito Pereira, j. 03.10.2013, DEJT 11.10.2013).

b) O estabelecimento de um valor fixo para remuneração das horas in itinere, entretanto, é válido se efetuado mediante negociação coletiva

A título de exemplo, mencione-se o seguinte julgado recente do TST:

Horas in itinere. Limitação. Acordo coletivo. Validade. O entendimento desta Corte, fundado no art. 7º, XXVI, da Constituição da República firmou-se no sentido de prestigiar a negociação coletiva. Entretanto, para as situações a partir da vigência da Lei 10.243, de 19 de junho de 2001 (art. 58 da CLT), a jurisprudência vem repudiando a supressão integral do pagamento das horas in itinere, por meio de negociação coletiva. Trata-se de direito assegurado por norma de ordem pública, razão por que não é dado às partes negociarem para suprimi-lo. A situação dos autos, entretanto, é de limitação a uma hora diária de percurso via regular negociação coletiva, situação que a jurisprudência desta Corte prestigia. (...) (TST, 5ª Turma, RR – 771-39.2011.5.09.0091, Rel. Min. João Batista Brito Pereira, DEJT 31.10.2012).

Entretanto, atenção: a SDI-1 do TST tem equiparado à supressão das horas in itinere a fixação destas em patamares substancialmente inferiores ao tempo de deslocamento efetivamente gasto. Para tal, o Colendo Tribunal tem utilizado como parâmetro objetivo para validação da norma coletiva a estipulação de tempo in itinere igual ou superior a 50% do tempo efetivamente gasto. Neste sentido, os seguintes julgados:

Recurso de embargos. Horas in itinere. Limitação por negociação coletiva. Recurso de revista da reclamada conhecido e provido. O artigo 7º, inciso XXVI, da Constituição Federal impõe a observância do reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho, como postulado de direito social inserido no título dos direitos e garantias fundamentais do Texto Constitucional. Esse preceito constitucional contém, assim, regra de alcance objetivo pelo caráter coletivo da norma, não excepcionando os sujeitos que a convencionam, se inseridos ou não no âmbito de aplicação do § 3º do artigo 58 da CLT, para efeito de validade de cláusula relativa a horas de percurso. Todavia, não obstante o reconhecimento das normas coletivas pela Constituição Federal, há de ser refutada a possibilidade de flexibilização que resulte em supressão de direitos trabalhistas tutelados por normas de caráter cogente, considerando o caso concreto, em que não há proporcionalidade ou razoabilidade entre o tempo efetivamente despendido pelo empregado no trajeto (3 horas) e aquele prefixado em norma coletiva (1 hora). Precedentes. Recurso de embargos conhecido e provido (TST, SDI-1, E-RR-1222-64.2011.5.09.0091, Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga, j. 21.11.2013, DEJT 29.11.2013).

Horas in itinere. Redução via negociação coletiva. Princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Invalidade da norma coletiva. Esta e. Subseção tem entendido que deve prevalecer o acordo coletivo celebrado pela entidade sindical representativa da categoria dos trabalhadores, tendo por base a livre estipulação entre as partes, desde que respeitados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, bem como o princípio de proteção ao trabalho. Assim, considera-se intolerável a simples supressão ou renúncia de direitos, o que aqui se verifica. Na hipótese, o empregado despendia 160 (cento e sessenta) minutos – 2h40min – diários no trajeto e a norma coletiva remunerava apenas 60 (sessenta) minutos – 1h – diários. Foi desconsiderado na negociação coletiva o percentual de 62,5%, fato que conduz à conclusão inarredável de que não foram respeitados os parâmetros de razoabilidade e da proporcionalidade. Não se trata de mera limitação, mas sim de supressão de direitos. Recurso de embargos provido (TST, SDI-1, Ag-E-RR-96400-39.2008.5.09.0093, Rel. Min. Alexandre de Souza Agra Belmonte, j. 14.11.2013, DEJT 22.11.2013).

2. Horas in itinere. Limitação por norma coletiva. 1. Em relação à validade da norma coletiva que limita o pagamento das horas in itinere, esta Subseção Especializada fixou a tese de que, além das hipóteses de supressão total, também a redução desproporcional do direito às horas in itinere configura a invalidade na norma coletiva. E não obstante a dificuldade em se estabelecer um critério pautado na razoabilidade para, em função dele, extrair a conclusão acerca da validade ou da invalidade da norma coletiva, esta Especializada decidiu, aplicando um critério com ponderação, que, se a diferença entre o tempo de percurso e o tempo pago em razão da norma coletiva não exceder a 50%, admite-se a flexibilização pela via negocial. 2. Na hipótese dos autos, observa-se que a Turma não consignou o tempo gasto no trajeto, sendo certo que também não consta da transcrição da decisão regional, constante do acórdão turmário, a duração do tempo gasto no deslocamento da reclamante até o trabalho. 3. Dentro deste contexto, os embargos não têm o condão de ultrapassar o conhecimento, pois ausente o registro do tempo de deslocamento, não há como se reputar válida, ou não, a norma coletiva, porque não tem como se saber se houve, ou não, a observância do parâmetro objetivo adotado por este órgão uniformizador de jurisprudência interna corporis, qual seja a redução das horas in itinere na proporção de 50% (cinquenta por cento). Recurso de embargos não conhecido (TST, SDI-1, E-RR-96900-08.2008.5.09.0093, Rel. Min. Dora Maria da Costa, j. 14.11.2013, DEJT 22.11.2013).

Horas in itinere. Definição de número fixo de horas a serem pagas. Diferença entre o tempo real despendido no percurso e o número fixo previsto no acordo coletivo. Princípio da razoabilidade. Com fundamento no art. 7º, inc. XXVI, da Constituição da República, esta Corte vem prestigiando a autonomia da negociação coletiva na definição de um número fixo de horas in itinere a serem pagas. Eventual diferença entre o número de horas fixas e o número de horas efetivamente despendidas no trajeto pode ser tolerada, desde que respeitado o limite ditado pela proporcionalidade e pela razoabilidade na definição do número fixo de horas a serem pagas, com o fim de não desbordar para a supressão do direito do empregado, se a negociação resultar na fixação de uma quantidade de horas inferior a 50% do tempo real despendido no percurso. Destes autos, extrai-se que o tempo efetivo de deslocamento do reclamante era de 3 (três) horas diárias e que a norma coletiva limitou o pagamento de horas in itinere a 1 (uma) hora por dia, revelando que o tempo previsto na norma não atinge sequer 50% do tempo despendido pelo reclamante no percurso, não se constatando a observância do critério da proporcionalidade. Honorários advocatícios ou assistenciais. A Turma não emitiu juízo sobre essa matéria e o reclamante não opôs Embargos de Declaração para obter manifestação a respeito (Súmula 297 desta Corte). Recurso de Embargos de que se conhece em parte e a que se dá provimento (TST, SDI-1, E-RR-2032-73.2010.5.09.0091, Rel. Min. João Batista Brito Pereira, j. 17.10.2013, DEJT 25.10.2013).

Para provas objetivas, recomendo o alinhamento ao entendimento atual do TST, ou seja, é inválida a supressão da remuneração das horas in itinere, mas é admitida a fixação de teto máximo a este título, desde que mediante negociação coletiva, consubstanciada em instrumento coletivo de trabalho (ACT ou CCT), e desde que o patamar estipulado seja compatível com a realidade.


Na eventualidade de a questão ser cobrada em uma prova subjetiva, abre-se a oportunidade para o candidato expor as duas correntes, bem como seus fundamentos, e dar sua opinião sobre o assunto.

Tempo em que o empregado aguarda a condução

Recentemente a SDI-1 do TST entendeu que é computável como tempo à disposição do empregador também aquele em que o empregado permanece aguardando o transporte fornecido pelo empregador, desde que ultrapassado o limite de dez minutos diários, a exemplo do que é aplicável ao tempo residual. A decisão foi publicada no Informativo nº 80 do TST, nos seguintes termos: 

Transporte fornecido pela empresa. Espera. Tempo à disposição do empregador. Configuração. Presentes os requisitos necessários ao deferimento das horas in itinere, também é considerado tempo à disposição do empregador aquele em que o empregado aguarda o transporte fornecido pela empresa. Todavia, tendo em conta que a jurisprudência do TST admite certa flexibilização quanto ao cômputo de pequenas variações de tempo (Súmulas nºs 366 e 429 do TST), devem ser tolerados dez minutos diários para a fixação da jornada. Ultrapassado esse limite, porém, todo o tempo despendido deve ser computado. Com esse entendimento, a SBDI-I, por unanimidade, conheceu dos embargos interpostos pelo reclamado, por divergência jurisprudencial e, no mérito, por maioria, negou-lhes provimento, prevalecendo, portanto, a decisão do TRT que manteve o deferimento de trinta minutos diários a título de horas de espera. Vencidos os Ministros João Oreste Dalazen e Renato de Lacerda Paiva, que davam provimento ao recurso para afastar da condenação o tempo em que o empregado aguarda a condução, por entenderem que não há amparo legal para considerá-lo tempo à disposição do empregador. TST-E-RR-96-81.2012.5.18.0191, SBDI-I, rel. Min. Alexandre Agra Belmonte, 24.4.2014.

É claro que esta questão ainda demanda maior maturação, mas o entendimento acima deve ser registrado desde já, com o cuidado de se acompanhar a evolução jurisprudencial. Em relação ao aspecto anterior (possibilidade de fixação do tempo in itinere por norma coletiva), por exemplo, foram inúmeras as decisões contraditórias da SDI-1 nos últimos dois anos, várias delas inclusive publicadas no Informativo do TST, sendo que apenas no final de 2013 a matéria passou a ser tratada de maneira mais ou menos uniforme, embora ainda não totalmente consolidada, no sentido do estabelecimento do patamar de 50%, no mínimo, do tempo efetivamente gasto com o deslocamento, como medida de razoabilidade.

Abraço e bons estudos! 

Ricardo Resende