Caro colega concurseiro,
Dispõe o art. 482, alínea “f”, da CLT, que constitui justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador a embriaguez habitual ou em serviço.
A doutrina ensina que o tipo celetista em questão se desdobra em duas vertentes:
a) a embriaguez habitual, ainda que fora do ambiente de trabalho. Neste caso, exige-se a reiteração da conduta;
b) a embriaguez em serviço, assim considerada aquela que ocorre no âmbito do ambiente de trabalho. No caso, bastaria uma única ocorrência.
Valentim Carrion observa que “ingestão frequente de bebidas sem efeitos negativos, mesmo que ostensiva, não equivale a embriaguez”, e esclarece que “haverá embriaguez quando o indivíduo, intoxicado, perde o governo de suas faculdades a ponto de tornar-se incapaz de executar com prudência a tarefa a que se consagra[1]”.
Maurício Godinho Delgado, por sua vez, adverte que
“(...) mesmo habitual o estado etílico do empregado, se restrito ao período posterior à prestação laborativa, sem repercussões no contrato, não pode ser considerado causa de resolução do pacto empregatício, sob pena de estar-se admitindo a interferência abusiva do vínculo de emprego na vida pessoal, familiar e comunitária do indivíduo. Esta situação hipotética trazida pela CLT (embriaguez habitual) somente é apta a propiciar justa causa se produzir influência maléfica ao cumprimento do contrato de trabalho; não havendo esta contaminação contratual, descabe falar-se em resolução culposa desse contrato[2]”.
Ocorre que tem prevalecido na jurisprudência do TST a tese de que a embriaguez habitual não configura justa causa quando se caracterizar como enfermidade. Com efeito, a embriaguez é reconhecida como doença pela Organização Mundial de Saúde, catalogada no Código Internacional de Doenças (CID – 10).
Como bem observa Gustavo Filipe Barbosa Garcia, “o empregado com o referido problema de saúde, na realidade, deve receber o devido tratamento médico, ainda que com eventual afastamento com este objetivo, e não ser punido com a justa causa[3]”.
No sentido do exposto, mencionem-se os seguintes arestos recentes do TST:
(...) 2. NULIDADE. JUSTA CAUSA. ALCOOLISMO. A decisão do Regional, quanto ao afastamento da justa causa, não merece reparos, porquanto está em consonância com o entendimento desta Corte Superior, inclusive da SBDI-1, no sentido de que o alcoolismo crônico é visto, atualmente, como uma doença, o que requer tratamento, e não punição. Incólume a Súmula nº 32 do TST. (...) (TST, AIRR - 3082-89.2010.5.10.0000, 8ª Turma, Data de Julgamento: 08/06/2011, Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, Data de Publicação: DEJT 10/06/2011.)
Alcoolismo. JUSTA CAUSA. 1. O alcoolismo crônico, nos dias atuais, é formalmente reconhecido como doença pela Organização Mundial de Saúde - OMS, que o classifica sob o título de -síndrome de dependência do álcool-, cuja patologia gera compulsão, impele o alcoolista a consumir descontroladamente a substância psicoativa e retira-lhe a capacidade de discernimento sobre seus atos. 2. Assim é que se faz necessário, antes de qualquer ato de punição por parte do empregador, que o empregado seja encaminhado ao INSS para tratamento, sendo imperativa, naqueles casos em que o órgão previdenciário detectar a irreversibilidade da situação, a adoção das providências necessárias à sua aposentadoria. 3. No caso dos autos, resta incontroversa a condição da dependência da bebida alcoólica pelo reclamante. Nesse contexto, considerado o alcoolismo, pela Organização Mundial de Saúde, uma doença, e adotando a Constituição da República como princípios fundamentais a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho, além de objetivar o bem de todos, primando pela proteção à saúde (artigos 1º, III e IV, 170, 3º, IV, 6º), não há imputar ao empregado a justa causa como motivo ensejador da ruptura do liame empregatício. 4. Recurso de revista não conhecido. (TST, RR - 152900-21.2004.5.15.0022, 1ª Turma, Data de Julgamento: 11/05/2011, Relator Ministro: Lelio Bentes Corrêa, Data de Publicação: DEJT 20/05/2011.)
JUSTA CAUSA. ALCOOLISMO CRÔNICO. REINTEGRAÇÃO. A OMS formalmente reconhece o alcoolismo crônico como doença no Código Internacional de Doenças (CID). Diante de tal premissa, a jurisprudência desta C. Corte firmou-se no sentido de admitir o alcoolismo como patologia, fazendo-se necessário, antes de qualquer ato de punição por parte do empregador, que o empregado seja encaminhado para tratamento médico, de modo a reabilitá-lo. A própria Constituição da República prima pela proteção à saúde, além de adotar, como fundamentos, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho (arts. 6º e 1º, incisos III e IV). Repudia-se ato do empregador que adota a dispensa por justa causa como punição sumária ao trabalhador. Precedentes. Recurso de revista não conhecido. (TST, RR - 130400-51.2007.5.09.0012, 6ª Turma, Data de Julgamento: 16/02/2011, Relator Ministro: Aloysio Corrêa da Veiga, Data de Publicação: DEJT 25/02/2011.)
Para fins de concursos públicos de provas objetivas, entretanto, há que se tomar grande cuidado com a literalidade do dispositivo celetista. Cabe ao candidato interpretar o enunciado e, diante do caso concreto, avaliar se a banca examinadora abriu espaço à tese mencionada, ou se limitou a questão à literalidade do art. 482, “f”, da CLT. Neste último caso, por óbvio você deve entender que a embriaguez habitual configura justa causa.
Abraço e bons estudos!
Ricardo Resende
[1] CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. – 35. ed. atual. por Eduardo Carrion – São Paulo : Saraiva, 2010, p. 433.
[2] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. – 9. ed. – São Paulo : LTr, 2010, p. 1115.
[3] GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de Direito do Trabalho. – 4. ed. – São Paulo : Forense, 2010, p. 629.
Então o empregado que receber o devido tratamento médico em virtude do problema de saúde com o álcool tem o contrato de trabalho suspenso? A partir do 1° dia do tratamento ou do 15° dia?
ResponderExcluirJoY,
ResponderExcluirPartindo-se da premissa de que o alcoolismo é doença, os efeitos sobre o contrato de trabalho são os do afastamento por doença, ou seja, suspensão do contrato a partir do 16º dia de afastamento, pois os primeiros 15 dias ficam a cargo do empregador, nos termos da lei previdenciária.
Abraço e bons estudos!