domingo, 7 de novembro de 2010

OJ 383, terceirização e salário equitativo


Caro colega concurseiro, 

Questão sempre polêmica foi a dos efeitos da terceirização no tocante aos direitos do trabalhador terceirizado. 

A corrente majoritária na doutrina (por todos, Vólia Bomfim) sempre defendeu que a lei não exige isonomia de tratamento entre os terceirizados e os empregados da empresa tomadora dos serviços, exceto no caso do trabalhador temporário (art. 12, “a”, da Lei nº 6.019/1974). 

Desse modo, o terceirizado poderia receber remuneração menor que aquela paga pelo tomador aos seus empregados que eventualmente desempenhassem a mesma função, bem como teriam como horário de trabalho aquele fixado no contrato com o prestador de serviços (empregador aparente e/ou formal) e o enquadramento sindical se daria conforme a atividade preponderante do prestador de serviços. 

A outra corrente, até então minoritária, defendida por Godinho Delgado, propugna pela isonomia entre o terceirizado e o empregado do tomador dos serviços, fundamentada na aplicação analógica do salário equitativo previsto no art. 12, “a”, da Lei do Trabalho Temporário. Nas palavras do ilustre Ministro, “esse preceito de isonomia ou comunicação remuneratória passou a ser interpretado pela jurisprudência na devida extensão, de modo a mitigar o caráter antissocial da fórmula terceirizante”[1]

Entretanto, o próprio Godinho pondera, na última edição de seu Curso de Direito do Trabalho (fevereiro de 2010), que a jurisprudência ainda não se decidiu pacificamente nesta linha[2]

Em abril de 2010 foi publicada a OJ 383 da SDI-1 do TST, nos seguintes termos: 

OJ-SDI1-383 TERCEIRIZAÇÃO. EMPREGADOS DA EMPRESA PRESTADORA DE SERVIÇOS E DA TOMADORA. ISONOMIA. ART. 12, “A”, DA LEI N.º 6.019, DE 03.01.1974 (DEJT divulgado em 19, 20 e 22.04.2010) 

A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com ente da Administração Pública, não afastando, contudo, pelo princípio da isonomia, o direito dos empregados terceirizados às mesmas verbas trabalhistas legais e normativas asseguradas àqueles contratados pelo tomador dos serviços, desde que presente a igualdade de funções. Aplicação analógica do art. 12, “a”, da Lei n.º 6.019, de 03.01.1974.


Resta-nos interpretar o alcance do referido verbete. 

Da simples leitura da OJ é fácil concluir que se a terceirização é ilícita, aplica-se a tese do salário equitativo, isto é, garante-se aos empregados terceirizados os mesmos direitos (salário, enquadramento sindical, norma coletiva, etc) do empregado da tomadora dos serviços, desde que as funções sejam iguais. 

Procedendo-se a uma investigação mais detalhada, partindo dos precedentes da referida OJ, percebe-se que o verbete teve origem em decorrência de inúmeros processos envolvendo a CEF, em situações de terceirização ilícita. 

Neste caso, os trabalhadores postularam a isonomia de tratamento com os bancários (jornada de seis horas, direitos previstos no instrumento coletivo aplicável aos empregados da CEF, etc), tendo em vista que, na prática, desenvolviam funções idênticas àquelas desempenhadas por empregados da CEF. 

Em sua defesa, a Caixa Econômica alegava a própria torpeza, no sentido de que não se pode reconhecer o vínculo com ente público, sujeito a concurso para admissão (Súmula 331, II), razão pela qual seria indevido qualquer pleito no sentido de tratamento isonômico. Obviamente a Justiça do Trabalho, e notadamente o TST, refutou a tese absurda. 

Ora, o vínculo não pode ser reconhecido (art. 37, II, da CRFB/88), mas a responsabilidade subsidiária deve ser reconhecida (Súmula 331, IV) em relação às verbas efetivamente devidas. Se o empregado teria um vínculo direto com o tomador, não fosse ele ente público (Súmula 331, I),  obviamente os direitos deste trabalhador seriam calculados de acordo com os direitos assegurados à categoria a que pertence o tomador. 

A título de exemplo, alguns arestos do TST: 

RECURSO DE EMBARGOS EM RECURSO DE REVISTA. INTERPOSIÇÃO SOB A ÉGIDE DA LEI 11.496/2007. ISONOMIA. TERCEIRIZAÇÃO. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA INDIRETA. ATIVIDADES TÍPICAS DA CATEGORIA PROFISSIONAL DOS BANCÁRIOS. ARTIGO 12, ALÍNEA -A-, DA LEI Nº 6.019/74. APLICAÇÃO ANALÓGICA. - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com ente da Administração Pública, não afastando, contudo, pelo princípio da isonomia, o direito dos empregados terceirizados às mesmas verbas trabalhistas legais e normativas asseguradas àqueles contratados pelo tomador dos serviços, desde que presente a igualdade de funções. Aplicação analógica do art. 12, `a-, da Lei nº 6019, de 03.01.1974 -   (OJ 383/SDI-I/TST). Já desempenhada a função uniformizadora endereçada a esta Corte, nos moldes da Orientação Jurisprudencial transcrita, com a qual se harmoniza plenamente a decisão embargada, mostra-se inviável a demonstração de divergência jurisprudencial sobre o tema, incidindo à espécie o óbice contido no art. 894, II, in fine, da CLT. Embargos não conhecidos. Processo: E-RR - 17400-15.2007.5.03.0053 Data de Julgamento: 29/04/2010, Relatora Ministra: Rosa Maria Weber, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Divulgação: DEJT 14/05/2010.

RECURSO DE REVISTA. TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA. CONDIÇÃO DE BANCÁRIO. ISONOMIA. DEFERIMENTO DE VANTAGENS E BENEFÍCIOS RELATIVOS AOS EMPREGADOS DA TOMADORA. APLICAÇÃO DA OJ N.º 383 DO TST. A jurisprudência do TST, em especial da egr. SBDI-1, segue no sentido de manter a isonomia de direitos, quando se verificar a identidade de funções entre os empregados da empresa fornecedora de mão de obra e os contratados diretamente pela tomadora dos serviços, no caso a Caixa Econômica Federal. Trata-se de interpretação analógica do art. 12 da Lei 6.019/1974 em face dos arts. 5.º, caput, 7.º, XXXII, e 37, caput, da CF e que respeita, ainda, o contido na Convenção 94 e na Recomendação 84, ambas da OIT. Em reforço à tese ora esposada, o TST editou a recente Orientação Jurisprudencial n.º 383, divulgada no DJE em 19, 20 e 22/4/2010. Recurso de Revista não conhecido.   Processo: RR - 78600-08.2009.5.03.0100 Data de Julgamento: 25/08/2010, Relatora Ministra: Maria de Assis Calsing, 4ª Turma, Data de Divulgação: DEJT 03/09/2010.

Até aqui a interpretação da orientação jurisprudencial não oferece maiores dificuldades. A pergunta que nos interessa é a seguinte: e na terceirização lícita, aplica-se o salário equitativo? 

Como bem pontuou o Min. Godinho, realmente a jurisprudência ainda não é pacífica a este respeito. Não obstante, após ter pesquisado centenas de julgados do TST sobre esta matéria, posso dizer que a tendência é a aplicação analógica do art. 12, “a”, da Lei nº 6.019/1974, também para os casos de terceirização lícita.
Neste sentido, em inúmeros julgados encontra-se, nas razões de julgamento (inteiro teor), a seguinte afirmação: 

não é preciso sequer perquirir se a terceirização é ou não lícita, porque o tratamento isonômico deferido ao obreiro terceirizado em face dos trabalhadores diretamente admitidos pela empresa tomadora de serviços terceirizados lhe é outorgado pelo chamado salário equitativo.”

Portanto, parece estar sendo cada vez mais prestigiada no TST a tese do Min. Godinho Delgado (também nesta matéria!).

Por lealdade intelectual, mencione-se o seguinte aresto, em sentido contrário: 

“TERCEIRIZAÇÃO LÍCITA - ISONOMIA ENTRE EMPREGADOS DAS EMPRESAS PRESTADORA E TOMADORA DOS SERVIÇOS - IMPOSSIBILIDADE. 1. Consoante a jurisprudência desta Corte Superior, os empregados de empresa prestadora de serviços não têm direito ao recebimento das vantagens salariais inerentes à categoria dos empregados da empresa tomadora dos serviços, em face do princípio da isonomia, quando nem sequer foi reconhecida a existência de vínculo empregatício com a referida tomadora. 2. Com efeito, é possível a responsabilização subsidiária da tomadora dos serviços (Súmula 331 do TST) pelos direitos trabalhistas não honrados pela prestadora dos serviços, mas sempre tendo por base aqueles próprios da categoria à qual pertence a empresa prestadora, sendo certo que os referidos empregados têm direito apenas às mesmas condições ambientais de trabalho, por laborarem no mesmo local. Recurso de revista parcialmente conhecido e provido”.  Processo: RR - 46200-93.2009.5.13.0024 Data de Julgamento: 13/10/2010, Relatora Ministra: Maria Doralice Novaes, 7ª Turma, Data de Divulgação: DEJT 22/10/2010.

E como você deve se comportar em uma eventual questão de concurso sobre o tema?

Em primeiro lugar, é extremamente improvável que seja cobrado algo além da literalidade da OJ. Portanto, memorizá-la é obrigação. Não obstante, caso apareça em uma questão de concurso se é possível aplicação do salário equitativo à terceirização lícita, eu arriscaria que sim, ante a referida tendência do TST neste sentido. 

Abraço e bons estudos!


[1] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. – 9ª ed. – São Paulo : LTr, 2010, p. 427.
[2] Idem. Ibidem, p. 427.

12 comentários:

  1. Professor uma dúvida...O art. 461 quando diz o parágrafo primeiro "...entre pessoas cuja a diferença de tempo de serviço Não for superior a 2 anos." Temos sempre que levar esse prazo???
    Obrigada
    Flávia

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  2. Para equiparação salarial, sim, Flávia.

    Abraço e bons estudos!

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  3. Professor, como fica a questão da equiparação salarial? O trabalhador, em caso de terceirização ilícita, terá direito ao mesmo patamar remuneratório do servidor de carreira estatutário? Em sendo afirmativo, não há violação frontal ao art. 37, XIII da CF?

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  4. Olá, Guilherme!

    Vamos por partes:

    1) Em primeiro lugar, a própria responsabilização da Administração Pública, nos casos de terceirização, sofreu recente revés, por obra do STF, o que deve provocar a readequação do item IV da Súmula 331 pelo TST;

    2) Não se falou, em nenhum momento, em equiparação com estatutário, até porque isso foge à alçada trabalhista;

    3) O tratamento isonômico, nos moldes da teoria do salário equitativo, efetivamente não se confunde com a equiparação salarial prevista no art. 461 da CLT;

    4) Como mencionado no artigo acima, a OJ em questão teve origem em centenas de processos julgados contra a CEF, à qual não se aplica a OJ 297 (somente aplicável à Administração direta, autárquica e fundacional). Cabe aqui a mesma lógica da OJ 353;

    5) A questão ainda demanda maturação. A OJ é recente e parte de hipótese específica (CEF), sendo necessário esperar um pouco mais para saber qual será o impacto dela no entendimento do TST sobre questões semelhantes.

    Abraço e bons estudos!

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  5. Professor,

    O chamado salário equitativo remonta à equivalência de remuneração entre o trabalhador temporário e os empregados da mesma categoria da empresa tomadora de serviços temporários, além daquele devido a brasileiro empregado que exerça fgunção análoga à cumprida por empregado estrangeiro em empresa localizada no Brasil.

    O senhor hoje marcaria v ou f?

    Abraço!

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  6. Professor,
    Gostaria de parabenizá-lo por sua publicação; posto que não se presta unicamente aos colegas concurseiros, mas também serve como porta de entrada ao tema do SALÁRIO EQUITATIVO a operadores do direito que pretendam estudar um pouco sobre o tema antes de escrever "abobrinhas" em sede de defesa. =)

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  7. Agradeço pelas considerações, Arthur!

    Na verdade eu também acredito que os artigos sirvam para algo mais que concursos. Afinal, o direito é um só. Apenas a abordagem muda. Classifico o blog como "concurseiro" porque o meu foco é este, mas tomara que operadores do direito em geral possam também tirar algum proveito das postagens.

    Abraço e bons estudos!

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  8. Ilustre,

    Seria possível aplicar a tese contida na OJ n. 383 com relação a um terceirização ilícita ocorrida entre um prestador de serviços qualquer e um ente da Administração Pública DIRETA?

    Parabéns pelo blog.

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  9. Tudo bem Professor
    Por favor, caso o empregado trabalhe como empregado terceirizado(celetista) no forum local. Busca-se a equiparação salarial, onde o paradigma é tecnico judiciario(concursado). O mesmo paradigma, que é tecnico judiciario, era diretor de secretaria. Posso pedir a equiparação para o cargo de tecnico? Devo acionar apenas a empresa ou também o TJ onde ele trabalhava? O problema é que um é celetista e o outro estatutário, mas encontrei algumas jurisprudências e a sumula 383. É possivel?
    Muito obrigado - abraço.

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  10. Boa tarde professor.

    Em primeiro lugar, parebéns pelos esclarecimentos e pelo excelente blog.

    Tenho uma dúvida: a aplicação da OJ 383 vale para todas as verbas ou há exceções? Por exemplo: caso reconhecida sua incidência em face de um BANCO, seria cabível também a jornada reduzida dos bancários?

    Grato pela atenção.

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  11. Bom dia,vc pode esclarcer,quando a teceirização é licita, e o empregado tecercirado executa as mesmas funções da tomadora,cabe a ele a isonomia salarial? tenho um processo contra a Cemig,e ela ganho no TST o direito de terceirizar mao de obra.Como ja tinha ganhado na 1° instacia gostaria de saber como ficará meu processo.

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  12. Muito lúcido e objetivo. Ótimo post!

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