Caro(a) aluno(a),
Julgamento ocorrido hoje, dia 13 de novembro de 2014, no
Plenário do STF, certamente provocará grandes alterações no mundo do trabalho, as quais serão, é
claro, cobradas nas provas dos concursos públicos vindouros. Lembro, por
oportuno, que o tema pode ser cobrado também na prova de Direito Constitucional,
ou seja, interessa a praticamente todos os concurseiros.
Trata-se do julgamento do ARE nº 709.212/DF, em que o Banco
do Brasil questionou entendimento do TST acerca da prescrição trintenária do
FGTS. Por maioria de votos (vencidos apenas os Ministros Teori Zavascki e Rosa
Weber), o STF alterou seu entendimento
anterior, passando a adotar a tese no sentido da qual deve se aplicar ao FGTS a
prescrição quinquenal prevista no art. 7º, XXIX, da CRFB/88.
Eis a ementa do julgado, disponibilizada no site
do STF:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 709.212 DISTRITO FEDERAL
RELATOR: MIN. GILMAR MENDES
RECTE.(S): BANCO DO BRASIL S/A
ADV.(A/S): JAIRO WAISROS E OUTRO(A/S)
RECDO.(A/S): ANA MARIA MOVILLA DE PIRES E MARCONDES
ADV.(A/S): JOSÉ EYMARD LOGUERCIO E OUTRO(A/S)
Recurso extraordinário. Direito do Trabalho. Fundo de
Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Cobrança de valores não pagos. Prazo prescricional.
Prescrição quinquenal. Art. 7º, XXIX, da Constituição. Superação de
entendimento anterior sobre prescrição trintenária. Inconstitucionalidade dos
arts. 23, § 5º, da Lei 8.036/1990 e 55 do Regulamento do FGTS aprovado pelo
Decreto 99.684/1990. Segurança jurídica. Necessidade de modulação dos efeitos
da decisão. Art. 27 da Lei 9.868/1999. Declaração de inconstitucionalidade com
efeitos ex nunc. Recurso extraordinário a que se nega provimento.
Passo a tecer breves considerações sobre o tema, com ênfase,
como sempre, na abordagem provável em futuros concursos públicos.
A prescrição trintenária do FGTS é atualmente prevista por
dois singelos dispositivos legais, a saber:
Lei nº 8.036/1990, art. 23, §5º: O processo de fiscalização,
de autuação e de imposição de multas reger-se-á pelo disposto no Título VII da
CLT, respeitado o privilégio do FGTS à
prescrição trintenária (grifos meus).
Regulamento do FGTS, aprovado pelo Decreto nº 99.684/1990,
art. 55: O processo de fiscalização, de autuação e de imposição de multas
reger-se-á pelo disposto no Título VII da CLT, respeitado o privilégio do FGTS à prescrição trintenária (grifos
meus).
A questão que se coloca é: de onde surgiu a prescrição
trintenária, se a prescrição trabalhista é de cinco anos (art. 7º, XXIX, da
CRFB/88), a prescrição do crédito tributário é de cinco anos (art. 174 do CTN)
e o maior prazo prescricional do Código Civil atual é de 10 anos (art. 205 do
CCB/2002)?
Tal prazo, inserido discretamente na Lei nº 8.036/1990,
assim como havia ocorrido um ano antes com a Lei nº 7.839/1989 (art. 21, §4º),
foi trazido da antiga Lei Orgânica da Previdência Social, a Lei nº 3.807/1960,
que eu seu art. 144 dispunha que “o direito de receber ou cobrar as
importâncias que lhes sejam devidas, prescreverá, para as instituições de
previdência social, em trinta anos”. Isso porque o FGTS, quando de sua criação,
pela Lei nº 5.107/1966, era fiscalizado pela Previdência Social, tendo herdado desta
o “privilégio à prescrição trintenária”, nos termos do art. 20 da Lei nº
5.107/1966:
Art. 20. Competirá à Previdência Social, por seus órgãos
próprios, a verificação de cumprimento do disposto nos artigos 2º e 6º desta
lei, procedendo, em nome do Banco Nacional de Habitação, ao levantamento dos
débitos porventura existentes e às respectivas cobranças administrativas e
judicial, pela mesma forma e com os mesmos privilégios das contribuições
devidas à Previdência Social.
Em 1980, quando ainda vigente a Lei nº 5.107/1966, foi
editado pelo Tribunal Superior do Trabalho o Enunciado nº 95, no sentido da
aplicação da prescrição trintenária:
SUM-95 PRESCRIÇÃO TRINTENÁRIA. FGTS (cancelada) - Res.
121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003.
É trintenária a prescrição do direito de reclamar contra o
não recolhimento da contribuição para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço.
(cancelada em decorrência da sua incorporação à nova redação
da Súmula nº 362)
Histórico:
Redação original - (RA 44/1980, DJ 15.05.1980)
Todavia, tal verbete foi posteriormente modificado, com
vistas a compatibilizar o entendimento anterior do TST ao sistema da
Constituição de 1988. Isso porque a CRFB/88 estabeleceu, em seu art. 7º, XXIX,
a prescrição aplicável aos direitos trabalhistas:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além
de outros que visem à melhoria de sua condição social:
(...)
XXIX - ação, quanto aos créditos resultantes das
relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os
trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do
contrato de trabalho; (Redação dada
pela Emenda Constitucional nº 28, de 25/05/2000)
(...)
Editou-se, então, em 1999, o Enunciado nº 362 do TST, nos
seguintes termos:
Nº 362 FGTS – Prescrição. Res. 90/1999, DJ 03, 06 e
08.09.1999.
Extinto o contrato de trabalho, é de dois anos o prazo
prescricional para reclamar em Juízo o não recolhimento da contribuição do
Fundo de Garantia do Tempo de Serviço.
Por fim, em 2003 foi novamente alterado o verbete, dando a
ele a redação da atual Súmula 362 do TST:
SUM-362 FGTS. PRESCRIÇÃO (nova redação) - Res. 121/2003, DJ
19, 20 e 21.11.2003.
É trintenária a prescrição do direito de reclamar contra o
não recolhimento da contribuição para o FGTS, observado o prazo de 2 (dois)
anos após o término do contrato de trabalho.
A questão do prazo prescricional aplicável está, portanto, intrinsecamente
ligada à natureza jurídica do FGTS, a qual sempre foi objeto de cizânia na
doutrina e na jurisprudência. Neste sentido, Fabiano Jantalia adverte que “há
uma miríade de correntes defendidas pelos autores, que veem no FGTS, por
exemplo, natureza tributária, previdenciária, parafiscal, indenizatória ou de
salário diferido”. Observa o mencionado autor que
“[em] que pesem os argumentos expendidos na defesa da tese e
seus respeitáveis defensores, tais correntes resultam de um desvio de
perspectiva do real objeto de análise, padecendo do equívoco, já mencionado, de
analisar partes do sistema – como a conta vinculada ou o depósito mensal nela
feito pelo empregador – e não o instituto como um todo” (JANTALIA, Fabiano. Fundo
de Garantia do Tempo de Serviço. São Paulo: LTr, 2008, p. 49-50).
Para Jantalia,
“[a] natureza condominial do FGTS decorre precisamente do
fato de ele ser constituído na forma de um fundo, o que, ressalvada sua
destinação imposta pela lei, não o deixa muito distante dos fundos de pensão
tradicionais. O segredo do modelo adotado é que, embora todos os trabalhadores
sejam beneficiados mensalmente com os recolhimentos compulsórios de seus
empregadores, nem todos os beneficiados sacam seus saldos ao mesmo tempo,
ficando assim sempre disponível uma soma para investimentos, que a lei, no caso
do FGTS, impõe que sejam direcionados ao fomento de habitação popular,
saneamento básico e infraestrutura” (JANTALIA, Fabiano. op. cit., p. 52).
Por sua vez, fazendo coro com a linha de entendimento até
então adotada pelo TST, a abalizada doutrina de Godinho Delgado:
“O FGTS é instituto de natureza multidimensional, complexa,
com preponderante estrutura e fins justrabalhista, os quais se combinam, porém,
harmonicamente, a seu caráter de fundo social de destinação variada, tipificada
em lei. Por isso associa traços de mera figura trabalhista com traços de figura
afeta às contribuições sociais, formando, porém, instituto unitário” (DELGADO,
Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 12. ed. São Paulo: LTr, 2013,
p. 1313).
Ao defender a aplicação da prescrição trintenária ao FGTS, ressalta
Godinho Delgado que o FGTS não é instituto meramente trabalhista, mas complexo
(op. cit, p. 260).
Na jurisprudência do STJ a questão se pacificou em 1998, com
a edição da Súmula nº 210, segundo a qual “a ação de cobrança das contribuições
para o FGTS prescreve em trinta anos”. Tal verbete se dirige, em princípio, às
relações entre o FGTS (o Fundo propriamente dito) e o empregador, na cobrança das
contribuições inadimplidas. Por sua vez, o STF vinha também entendendo ser
aplicável a prescrição trintentária, conforme diversos precedentes, dos quais
se podem mencionar, a título de exemplo, os seguintes: RE 134.328, Rel. Ilmar
Galvão, Primeira Turma, DJ 19.2.1993; RE 116.761, Rel. Moreira Alves, Primeira
Turma, DJ 2.4.1993; RE 120.189, Rel. Marco Aurélio, Segunda
Turma, DJ 19.2.1999.
Ocorre que, hoje, ao julgar a ação em epígrafe, sobre tema
em relação ao qual foi reconhecida a repercussão geral, o Pleno do STF adotou
entendimento diverso, conforme trechos extraídos do voto do relator, Min.
Gilmar Mendes (íntegra do voto disponível aqui):
“Ocorre que o art. 7º, III, da nova Carta expressamente
arrolou o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço como um direito dos trabalhadores
urbanos e rurais, colocando termo, no meu entender, à celeuma doutrinária
acerca de sua natureza jurídica.”
“Contudo, não se pode olvidar que, por mais de vinte anos,
tanto o Supremo Tribunal Federal quanto o Tribunal Superior do Trabalho mantiveram
o entendimento segundo o qual o prazo prescricional aplicável ao FGTS seria o
trintenário, mesmo após o advento da Constituição de 1988.”
“Em casos como este, em que se altera jurisprudência
longamente adotada pela Corte, a praxe tem sido no sentido de se modular os
efeitos da decisão, com base em razões de segurança jurídica.”
“Com essas considerações, diante da mudança que se opera,
neste momento, em antiga jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, e com base
em razões de segurança jurídica, entendo que os efeitos desta decisão devam ser
modulados no tempo, a fim de que se concedam apenas efeitos prospectivos à
decisão e à mudança de orientação que ora se propõe.”
“A modulação que se propõe consiste em atribuir à presente
decisão efeitos ex nunc (prospectivos). Dessa forma, para aqueles cujo
termo inicial da prescrição ocorra após a data do presente julgamento,
aplica-se, desde logo, o prazo de cinco anos. Por outro lado, para os casos em
que o prazo prescricional já esteja em curso, aplica-se o que ocorrer primeiro:
30 anos, contados do termo inicial, ou 5 anos, a partir desta decisão. Assim
se, na presente data, já tenham transcorrido 27 anos do prazo prescricional,
bastarão mais 3 anos para que se opere a prescrição, com base na jurisprudência
desta Corte até então vigente. Por outro lado, se na data desta decisão tiverem
decorrido 23 anos do prazo prescricional, ao caso se aplicará o novo prazo de 5
anos, a contar da data do presente julgamento.”
“Por conseguinte, voto no sentido de reconhecer a inconstitucionalidade
dos artigos 23, § 5º, da Lei 8.036/1990 e 55 do Regulamento do FGTS aprovado
pelo Decreto 99.684/1990, na parte em que ressalvam o “privilégio do FGTS à
prescrição trintenária”, haja vista violarem o disposto no art. 7º, XXIX, da
Carta de 1988.”
Em resumo, o que é importante que o concurseiro conheça,
desde já, sobre este tema?
O novíssimo entendimento do STF será, certamente, cobrado
nas próximas provas. Você precisa, portanto, conhecê-lo. Sugiro que tenha em
mente o seguinte:
a) conforme decisão recente do STF, em tema cuja repercussão
geral foi reconhecida [isso é importante, pois vincula todas as decisões sobre
a matéria em outras instâncias], a prescrição aplicável em caso de não
recolhimento do FGTS é a quinquenal, tendo em vista que se trata de direito
trabalhista;
b) o STF conferiu à decisão, entretanto, efeitos ex nunc, ou seja, o novo entendimento
vale a partir da decisão, da seguinte forma:
b.1) para os prazos prescricionais em curso, continua
valendo a prescrição trintenária, salvo se ainda faltar mais de cinco anos para
o dies ad quem (termo final da
contagem).
Repitam-se os exemplos mencionados no voto do Min. Gilmar Mendes,
pois são muito didáticos:
- caso, na data desta decisão, já tenham transcorrido 27 anos do prazo
prescricional, bastarão mais 3 anos para que se opere a prescrição, com base na
jurisprudência do STF até então vigente.
- se na data desta decisão tiverem decorrido 23 anos do
prazo prescricional, ao caso se aplicará o novo prazo de 5 anos, a contar de
13.11.2014.
b.2) para os prazos prescricionais a iniciar, naturalmente
se aplica, desde já, a prescrição quinquenal. Assim, por exemplo, se o seu
empregador deixar de recolher o FGTS do mês de novembro de 2014 até o dia sete do
mês de dezembro, você terá cinco anos para reclamar tal crédito.
E em relação aos verbetes do TST sobre a matéria? O que deve
acontecer?
Certamente o TST terá que adequar seu entendimento à tese
adotada agora pelo STF. Ocorre que, devido à modulação dos efeitos da decisão,
muitos processos serão ainda julgados com base no entendimento anterior, razão
pela qual é provável que a Súmula 362 não seja cancelada. Provavelmente será
criado pelo TST verbete contendo regra de transição, a exemplo da edição da OJ
417 da SDI-1, que trata da prescrição aplicável ao rurícola.
No tocante à Súmula 206, a qual trata da prescrição do FGTS
como parcela reflexa, em princípio nada muda, pois o entendimento já está
adequado à novel tese do STF, e já se aplicava, no âmbito da Justiça do
Trabalho, aos processos em andamento.
Forte abraço e bons estudos!
Ricardo Resende
A a fiscalização do MTE, como fica? Continua com alcance de 30 anos ou só levanta débitos de FGTS dos últimos 5 anos?
ResponderExcluirExcelente artigo, prof. Ricardo Resende. Obrigado pelos esclarecimentos.
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