sexta-feira, 14 de novembro de 2014

A PRESCRIÇÃO DO FGTS É QUINQUENAL - ARE 709.212/DF - julg. em 13.11.2014



Caro(a) aluno(a), 

Julgamento ocorrido hoje, dia 13 de novembro de 2014, no Plenário do STF, certamente provocará grandes alterações no mundo do trabalho, as quais serão, é claro, cobradas nas provas dos concursos públicos vindouros. Lembro, por oportuno, que o tema pode ser cobrado também na prova de Direito Constitucional, ou seja, interessa a praticamente todos os concurseiros. 

Trata-se do julgamento do ARE nº 709.212/DF, em que o Banco do Brasil questionou entendimento do TST acerca da prescrição trintenária do FGTS. Por maioria de votos (vencidos apenas os Ministros Teori Zavascki e Rosa Weber), o STF alterou seu entendimento anterior, passando a adotar a tese no sentido da qual deve se aplicar ao FGTS a prescrição quinquenal prevista no art. 7º, XXIX, da CRFB/88

Eis a ementa do julgado, disponibilizada no site do STF

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 709.212 DISTRITO FEDERAL

RELATOR: MIN. GILMAR MENDES

RECTE.(S): BANCO DO BRASIL S/A

ADV.(A/S): JAIRO WAISROS E OUTRO(A/S)

RECDO.(A/S): ANA MARIA MOVILLA DE PIRES E MARCONDES

ADV.(A/S): JOSÉ EYMARD LOGUERCIO E OUTRO(A/S)

Recurso extraordinário. Direito do Trabalho. Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Cobrança de valores não pagos. Prazo prescricional. Prescrição quinquenal. Art. 7º, XXIX, da Constituição. Superação de entendimento anterior sobre prescrição trintenária. Inconstitucionalidade dos arts. 23, § 5º, da Lei 8.036/1990 e 55 do Regulamento do FGTS aprovado pelo Decreto 99.684/1990. Segurança jurídica. Necessidade de modulação dos efeitos da decisão. Art. 27 da Lei 9.868/1999. Declaração de inconstitucionalidade com efeitos ex nunc. Recurso extraordinário a que se nega provimento.

Passo a tecer breves considerações sobre o tema, com ênfase, como sempre, na abordagem provável em futuros concursos públicos. 

A prescrição trintenária do FGTS é atualmente prevista por dois singelos dispositivos legais, a saber:

Lei nº 8.036/1990, art. 23, §5º: O processo de fiscalização, de autuação e de imposição de multas reger-se-á pelo disposto no Título VII da CLT, respeitado o privilégio do FGTS à prescrição trintenária (grifos meus).


Regulamento do FGTS, aprovado pelo Decreto nº 99.684/1990, art. 55: O processo de fiscalização, de autuação e de imposição de multas reger-se-á pelo disposto no Título VII da CLT, respeitado o privilégio do FGTS à prescrição trintenária (grifos meus).

A questão que se coloca é: de onde surgiu a prescrição trintenária, se a prescrição trabalhista é de cinco anos (art. 7º, XXIX, da CRFB/88), a prescrição do crédito tributário é de cinco anos (art. 174 do CTN) e o maior prazo prescricional do Código Civil atual é de 10 anos (art. 205 do CCB/2002)?

Tal prazo, inserido discretamente na Lei nº 8.036/1990, assim como havia ocorrido um ano antes com a Lei nº 7.839/1989 (art. 21, §4º), foi trazido da antiga Lei Orgânica da Previdência Social, a Lei nº 3.807/1960, que eu seu art. 144 dispunha que “o direito de receber ou cobrar as importâncias que lhes sejam devidas, prescreverá, para as instituições de previdência social, em trinta anos”. Isso porque o FGTS, quando de sua criação, pela Lei nº 5.107/1966, era fiscalizado pela Previdência Social, tendo herdado desta o “privilégio à prescrição trintenária”, nos termos do art. 20 da Lei nº 5.107/1966:

Art. 20. Competirá à Previdência Social, por seus órgãos próprios, a verificação de cumprimento do disposto nos artigos 2º e 6º desta lei, procedendo, em nome do Banco Nacional de Habitação, ao levantamento dos débitos porventura existentes e às respectivas cobranças administrativas e judicial, pela mesma forma e com os mesmos privilégios das contribuições devidas à Previdência Social.

Em 1980, quando ainda vigente a Lei nº 5.107/1966, foi editado pelo Tribunal Superior do Trabalho o Enunciado nº 95, no sentido da aplicação da prescrição trintenária: 



SUM-95 PRESCRIÇÃO TRINTENÁRIA. FGTS (cancelada) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003.

É trintenária a prescrição do direito de reclamar contra o não recolhimento da contribuição para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço.


(cancelada em decorrência da sua incorporação à nova redação da Súmula nº 362)

Histórico:

Redação original - (RA 44/1980, DJ 15.05.1980) 

Todavia, tal verbete foi posteriormente modificado, com vistas a compatibilizar o entendimento anterior do TST ao sistema da Constituição de 1988. Isso porque a CRFB/88 estabeleceu, em seu art. 7º, XXIX, a prescrição aplicável aos direitos trabalhistas:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

(...)

XXIX - ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 28, de 25/05/2000)

(...)

Editou-se, então, em 1999, o Enunciado nº 362 do TST, nos seguintes termos:

Nº 362 FGTS – Prescrição. Res. 90/1999, DJ 03, 06 e 08.09.1999.

Extinto o contrato de trabalho, é de dois anos o prazo prescricional para reclamar em Juízo o não recolhimento da contribuição do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço.

Por fim, em 2003 foi novamente alterado o verbete, dando a ele a redação da atual Súmula 362 do TST: 

SUM-362 FGTS. PRESCRIÇÃO (nova redação) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003.

É trintenária a prescrição do direito de reclamar contra o não recolhimento da contribuição para o FGTS, observado o prazo de 2 (dois) anos após o término do contrato de trabalho.

A questão do prazo prescricional aplicável está, portanto, intrinsecamente ligada à natureza jurídica do FGTS, a qual sempre foi objeto de cizânia na doutrina e na jurisprudência. Neste sentido, Fabiano Jantalia adverte que “há uma miríade de correntes defendidas pelos autores, que veem no FGTS, por exemplo, natureza tributária, previdenciária, parafiscal, indenizatória ou de salário diferido”. Observa o mencionado autor que 

“[em] que pesem os argumentos expendidos na defesa da tese e seus respeitáveis defensores, tais correntes resultam de um desvio de perspectiva do real objeto de análise, padecendo do equívoco, já mencionado, de analisar partes do sistema – como a conta vinculada ou o depósito mensal nela feito pelo empregador – e não o instituto como um todo” (JANTALIA, Fabiano. Fundo de Garantia do Tempo de Serviço. São Paulo: LTr, 2008, p. 49-50). 

Para Jantalia, 

“[a] natureza condominial do FGTS decorre precisamente do fato de ele ser constituído na forma de um fundo, o que, ressalvada sua destinação imposta pela lei, não o deixa muito distante dos fundos de pensão tradicionais. O segredo do modelo adotado é que, embora todos os trabalhadores sejam beneficiados mensalmente com os recolhimentos compulsórios de seus empregadores, nem todos os beneficiados sacam seus saldos ao mesmo tempo, ficando assim sempre disponível uma soma para investimentos, que a lei, no caso do FGTS, impõe que sejam direcionados ao fomento de habitação popular, saneamento básico e infraestrutura” (JANTALIA, Fabiano. op. cit., p. 52). 

Por sua vez, fazendo coro com a linha de entendimento até então adotada pelo TST, a abalizada doutrina de Godinho Delgado: 

“O FGTS é instituto de natureza multidimensional, complexa, com preponderante estrutura e fins justrabalhista, os quais se combinam, porém, harmonicamente, a seu caráter de fundo social de destinação variada, tipificada em lei. Por isso associa traços de mera figura trabalhista com traços de figura afeta às contribuições sociais, formando, porém, instituto unitário” (DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 12. ed. São Paulo: LTr, 2013, p. 1313). 

Ao defender a aplicação da prescrição trintenária ao FGTS, ressalta Godinho Delgado que o FGTS não é instituto meramente trabalhista, mas complexo (op. cit, p. 260). 

Na jurisprudência do STJ a questão se pacificou em 1998, com a edição da Súmula nº 210, segundo a qual “a ação de cobrança das contribuições para o FGTS prescreve em trinta anos”. Tal verbete se dirige, em princípio, às relações entre o FGTS (o Fundo propriamente dito) e o empregador, na cobrança das contribuições inadimplidas. Por sua vez, o STF vinha também entendendo ser aplicável a prescrição trintentária, conforme diversos precedentes, dos quais se podem mencionar, a título de exemplo, os seguintes: RE 134.328, Rel. Ilmar Galvão, Primeira Turma, DJ 19.2.1993; RE 116.761, Rel. Moreira Alves, Primeira Turma, DJ 2.4.1993; RE 120.189, Rel. Marco Aurélio, Segunda Turma, DJ 19.2.1999.

Ocorre que, hoje, ao julgar a ação em epígrafe, sobre tema em relação ao qual foi reconhecida a repercussão geral, o Pleno do STF adotou entendimento diverso, conforme trechos extraídos do voto do relator, Min. Gilmar Mendes (íntegra do voto disponível aqui): 

“Ocorre que o art. 7º, III, da nova Carta expressamente arrolou o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço como um direito dos trabalhadores urbanos e rurais, colocando termo, no meu entender, à celeuma doutrinária acerca de sua natureza jurídica.” 


“Contudo, não se pode olvidar que, por mais de vinte anos, tanto o Supremo Tribunal Federal quanto o Tribunal Superior do Trabalho mantiveram o entendimento segundo o qual o prazo prescricional aplicável ao FGTS seria o trintenário, mesmo após o advento da Constituição de 1988.” 


“Em casos como este, em que se altera jurisprudência longamente adotada pela Corte, a praxe tem sido no sentido de se modular os efeitos da decisão, com base em razões de segurança jurídica.”


“Com essas considerações, diante da mudança que se opera, neste momento, em antiga jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, e com base em razões de segurança jurídica, entendo que os efeitos desta decisão devam ser modulados no tempo, a fim de que se concedam apenas efeitos prospectivos à decisão e à mudança de orientação que ora se propõe.”


“A modulação que se propõe consiste em atribuir à presente decisão efeitos ex nunc  (prospectivos). Dessa forma, para aqueles cujo termo inicial da prescrição ocorra após a data do presente julgamento, aplica-se, desde logo, o prazo de cinco anos. Por outro lado, para os casos em que o prazo prescricional já esteja em curso, aplica-se o que ocorrer primeiro: 30 anos, contados do termo inicial, ou 5 anos, a partir desta decisão. Assim se, na presente data, já tenham transcorrido 27 anos do prazo prescricional, bastarão mais 3 anos para que se opere a prescrição, com base na jurisprudência desta Corte até então vigente. Por outro lado, se na data desta decisão tiverem decorrido 23 anos do prazo prescricional, ao caso se aplicará o novo prazo de 5 anos, a contar da data do presente julgamento.”


“Por conseguinte, voto no sentido de reconhecer a inconstitucionalidade dos artigos 23, § 5º, da Lei 8.036/1990 e 55 do Regulamento do FGTS aprovado pelo Decreto 99.684/1990, na parte em que ressalvam o “privilégio do FGTS à prescrição trintenária”, haja vista violarem o disposto no art. 7º, XXIX, da Carta de 1988.”

Em resumo, o que é importante que o concurseiro conheça, desde já, sobre este tema?

O novíssimo entendimento do STF será, certamente, cobrado nas próximas provas. Você precisa, portanto, conhecê-lo. Sugiro que tenha em mente o seguinte: 

a) conforme decisão recente do STF, em tema cuja repercussão geral foi reconhecida [isso é importante, pois vincula todas as decisões sobre a matéria em outras instâncias], a prescrição aplicável em caso de não recolhimento do FGTS é a quinquenal, tendo em vista que se trata de direito trabalhista; 

b) o STF conferiu à decisão, entretanto, efeitos ex nunc, ou seja, o novo entendimento vale a partir da decisão, da seguinte forma:

b.1) para os prazos prescricionais em curso, continua valendo a prescrição trintenária, salvo se ainda faltar mais de cinco anos para o dies ad quem (termo final da contagem). 

Repitam-se os exemplos mencionados no voto do Min. Gilmar Mendes, pois são muito didáticos:

- caso, na data desta decisão, já tenham transcorrido 27 anos do prazo prescricional, bastarão mais 3 anos para que se opere a prescrição, com base na jurisprudência do STF até então vigente. 

- se na data desta decisão tiverem decorrido 23 anos do prazo prescricional, ao caso se aplicará o novo prazo de 5 anos, a contar de 13.11.2014. 

b.2) para os prazos prescricionais a iniciar, naturalmente se aplica, desde já, a prescrição quinquenal. Assim, por exemplo, se o seu empregador deixar de recolher o FGTS do mês de novembro de 2014 até o dia sete do mês de dezembro, você terá cinco anos para reclamar tal crédito.

E em relação aos verbetes do TST sobre a matéria? O que deve acontecer? 

Certamente o TST terá que adequar seu entendimento à tese adotada agora pelo STF. Ocorre que, devido à modulação dos efeitos da decisão, muitos processos serão ainda julgados com base no entendimento anterior, razão pela qual é provável que a Súmula 362 não seja cancelada. Provavelmente será criado pelo TST verbete contendo regra de transição, a exemplo da edição da OJ 417 da SDI-1, que trata da prescrição aplicável ao rurícola.

No tocante à Súmula 206, a qual trata da prescrição do FGTS como parcela reflexa, em princípio nada muda, pois o entendimento já está adequado à novel tese do STF, e já se aplicava, no âmbito da Justiça do Trabalho, aos processos em andamento.  

Forte abraço e bons estudos!

Ricardo Resende








sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Adicional de insalubridade OU de periculosidade, ao menos por enquanto



Caro aluno/leitor,

A questão que abordarei hoje é, em minha opinião, uma das mais absurdas de todo o Direito do Trabalho no Brasil: a impossibilidade de percepção cumulada dos adicionais de insalubridade e de periculosidade pelo empregado, ainda que a atividade desenvolvida seja, concomitantemente, insalubre e perigosa. 

Tal entendimento decorre de interpretação dada ao art. §2º do art. 193 da CLT. Vejamos o texto legal: 

Art. 193. São consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a
I - inflamáveis, explosivos ou energia elétrica;      
II - roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial.      
§ 1º - O trabalho em condições de periculosidade assegura ao empregado um adicional de 30% (trinta por cento) sobre o salário sem os acréscimos resultantes de gratificações, prêmios ou participações nos lucros da empresa.
§ 2º - O empregado poderá optar pelo adicional de insalubridade que porventura lhe seja devido. (grifos meus)
§ 3º Serão descontados ou compensados do adicional outros da mesma natureza eventualmente já concedidos ao vigilante por meio de acordo coletivo.   
§ 4o São também consideradas perigosas as atividades de trabalhador em motocicleta.

A partir da redação do supramencionado §2º, sempre se entendeu, de forma majoritária, que, sendo a atividade insalubre e perigosa, deve o empregado optar por um dos adicionais, ou seja, não tem direito a receber ambos simultaneamente. Neste sentido, a jurisprudência amplamente majoritária, da qual se podem mencionar, a título de exemplo, os seguintes arestos recentes:

RECURSO DE REVISTA. 1. ADICIONAIS DE INSALUBRIDADE E PERICULOSIDADE. PAGAMENTO NÃO CUMULATÓRIO. OPÇÃO POR UM DOS ADICIONAIS. Ressalvado o entendimento do Relator, o fato é que, segundo a jurisprudência dominante nesta Corte, é válida a regra do art. 193, §2º, da CLT, que dispõe sobre a não cumulação entre os adicionais de periculosidade e de insalubridade, cabendo a opção, pelo empregado, entre os dois adicionais. Assim, se o obreiro já percebia o adicional de insalubridade, porém entende que a percepção do adicional de periculosidade lhe será mais vantajosa, pode requerê-lo, ou o contrário. O recebimento daquele adicional não é óbice para o acolhimento do pedido de pagamento deste, na medida em que a lei veda apenas a percepção cumulativa de ambos os adicionais. Todavia, nessa situação, a condenação deve estar limitada ao pagamento de diferenças entre um e outro adicional. Para o Relator, caberia o pagamento das duas verbas efetivamente diferenciadas (adicional de periculosidade e o de insalubridade), à luz do art. 7º, XXIII, da CF, e do art. 11-b da Convenção 155 da OIT, por se tratar de fatores e, principalmente, de verbas/parcelas manifestamente diferentes, não havendo bis in idem. Recurso de revista conhecido e parcialmente provido no tema. (...) (TST, 3ª Turma, RR-1643-07.2012.5.04.0205, Rel. Min. Mauricio Godinho Delgado, DEJT 19/09/2014.)

(...) RECURSO DE REVISTA ADESIVO DA RECLAMANTE. ADICIONAL DE PERICULOSIDADE E DE INSALUBRIDADE. CUMULAÇÃO. O § 2.º do art. 193 da CLT veda a cumulação dos adicionais de periculosidade e insalubridade, podendo, no entanto, o empregado fazer a opção pelo que lhe for mais benéfico. Precedentes. Recurso de Revista não conhecido. (TST, 4ª Turma, RR-102-79.2012.5.04.0029, Rel. Min. Maria de Assis Calsing, DEJT 12/09/2014.)

(...) CUMULAÇÃO DOS ADICIONAIS DE INSALUBRIDADE E PERICULOSIDADE Nos termos da jurisprudência pacífica do Eg. TST, não há falar em pagamento cumulativo dos adicionais de insalubridade e periculosidade. O artigo 193, § 2º, da CLT deixa claro que o empregado pode optar pelo adicional que porventura lhe seja devido. Precedentes. Recurso de Revista parcialmente conhecido e provido. (TST, 8ª Turma, RR-99-87.2012.5.04.0009, Rel. Des. Convocado: João Pedro Silvestrin, DEJT 19/09/2014.)

A melhor doutrina, todavia, embora venha reconhecendo a supremacia da mencionada interpretação, não deixa de criticá-la, a meu ver com total razão. Neste sentido, Gustavo Filipe Barbosa Garcia adverte que 

“(...) como o art. 193, §2º, da CLT assegura o direito do empregado de optar entre o adicional de periculosidade e o adicional de insalubridade, tende a prevalecer o entendimento de que ele não faz jus ao recebimento de ambos os adicionais ao mesmo tempo, entendimento este que, no entanto, merece fundada crítica, pois, se o empregado está exposto tanto ao agente insalubre como também à periculosidade, nada mais justo e coerente do que receber ambos os adicionais (art. 7º, inciso XXIII, da CF/1988), uma vez que os fatos geradores são distintos e autônomos. Além disso, a restrição a apenas um dos adicionais acaba desestimulando que a insalubridade e a periculosidade sejam eliminadas e neutralizadas, o que estaria em desacordo com o art. 7º, inciso XXII, da Constituição Federal de 1988”[1] (grifos no original). 

Em posição semelhante, Homero Batista Mateus da Silva pondera: 

“Se o ambiente era efetivamente insalubre, porque ruidoso e úmido, por exemplo, e perigoso, porque estocava pólvora, por que razão jurídica ou científica o empregado deve ser contemplado apenas com um dos dois adicionais? Por que a proteção não abrange os dois simultaneamente?

Ora, as medidas de proteção não são optáveis pelo empregador, devendo atuar simultaneamente no fornecimento dos protetores de ouvido e de pele e, também, buscar atenuar os riscos de uma explosão. O PCMSO e o PPRA também são cumuláveis na luta em prol de um ambiente equilibrado. A CIPA e o SESMT também devem se ocupar sincronicamente das causas de insalubridade e de periculosidade.

(...)

Todavia, até que seja revogado por legislação superveniente, o art. 193 tem sido entendido como uma obrigação alternativa, nos moldes da previsão da legislação civil. Em outras palavras, quando o art. 7º, XXIII, da Constituição Federal de 1988, mencionou que os adicionais seriam fixados ‘na forma da lei’, não deixou assegurado ao empregado que ele necessariamente auferiria todos os adicionais, nem qual seria o sistema de cálculo, razão pela qual se tolera até hoje que o adicional de penosidade simplesmente inexista e, ainda, que o adicional de insalubridade e o adicional de periculosidade não sejam cumuláveis”[2]

Hoje o Tribunal Superior do Trabalho noticiou decisão da 7ª Turma que pode ser histórica, no sentido da rediscussão da matéria. Transcrevo integralmente a notícia, dada a sua importância: 

“Um empregado da Amsted Maxion Fundição e Equipamentos Ferroviários S. A. vai receber acumuladamente os adicionais de insalubridade e periculosidade.  A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho afastou a argumentação de que o artigo 193, parágrafo 2º, da CLT prevê a opção pelo adicional mais favorável ao trabalhador e negou provimento ao recurso da empresa, sob o entendimento de que normas constitucionais e supralegais, hierarquicamente superiores à CLT, autorizam a cumulação dos adicionais.

De acordo com o relator do recurso, ministro Cláudio Brandão, a Constituição da República, no artigo 7º, inciso XXIII, garantiu de forma plena o direito ao recebimento dos adicionais de penosidade, insalubridade e periculosidade, sem qualquer ressalva quanto à cumulação, não recepcionando assim aquele dispositivo da CLT. Em sua avaliação, a acumulação se justifica em virtude de os fatos geradores dos direitos serem diversos e não se confundirem.
Segundo o ministro, a cumulação dos adicionais não implica pagamento em dobro, pois a insalubridade diz respeito à saúde do empregado quanto às condições nocivas do ambiente de trabalho, enquanto a periculosidade "traduz situação de perigo iminente que, uma vez ocorrida, pode ceifar a vida do trabalhador, sendo este o bem a que se visa proteger".

Normas internacionais 

O relator explicou que a opção prevista na CLT é inaplicável também devido à introdução no sistema jurídico brasileiro das Convenções 148 e 155 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), "que têm status de norma materialmente constitucional ou, pelo menos, supralegal", como foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal. A Convenção 148 "consagra a necessidade de atualização constante da legislação sobre as condições nocivas de trabalho", e a 155 determina que sejam levados em conta os "riscos para a saúde decorrentes da exposição simultânea a diversas substâncias ou agentes".

Tais convenções, afirmou o relator, superaram a regra prevista na CLT e na Norma Regulamentadora 16 do Ministério do Trabalho e Emprego, no que se refere à percepção de apenas um adicional quando o trabalhador estiver sujeito a condições insalubres e perigosas no trabalho. "Não há mais espaço para a aplicação do artigo 193, parágrafo 2º, da CLT", assinalou.
A decisão foi unânime.

(Mário Correia/CF)



Ressalte-se que tal decisão é, por enquanto, isolada (no âmbito do TST, pois se encontram decisões neste sentido em alguns Tribunais Regionais do Trabalho), pelo que deve continuar prevalecendo, ao menos num futuro próximo, o entendimento tradicional. Para concursos, portanto, nada muda por enquanto, salvo em uma eventual questão discursiva, que permitiria ao candidato expor as duas correntes. De qualquer forma, vale a pena acompanhar os possíveis desdobramentos desta paradigmática decisão da 7ª Turma. 

Forte abraço e bons estudos! 

Ricardo Resende
facebook.com/ricoresende





[1] GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de Direito do Trabalho. 7. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 403.
[2] SILVA, Homero Batista Mateus da. Direito do Trabalho aplicado, vol. 3: segurança e medicina do trabalho, trabalho da mulher e do menor. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 108.