Caro colega concurseiro,
Acredito que a grande maioria dos estudantes, das mais diversas idades e segmentos do conhecimento humano, algum dia já disseram que “não conseguem decorar”, ou que não gostam de “decoreba”.
Concordo plenamente que as nossas aulas de ciências, ou de geografia, nos idos da sétima série, deveriam privilegiar processos e não fatos isolados. Da mesma forma, estudar eletricidade no terceiro ano do ensino médio seria muito mais proveitoso se os professores se preocupassem em fazer a gente entender como funcionam os aparelhos elétricos que temos em casa. Deveriam ensinar óptica falando de fotografia, e assim por diante.
Todavia, para o mundo dos concursos públicos o decorar é fundamental, tendo em vista que o método de avaliação disponível, no mais das vezes, depende deste elemento. Desse modo, salvo em certames específicos, como, por exemplo, nas fases adiantadas dos concursos para as carreiras jurídicas (Magistratura e MP), o recurso de avaliação mais eficaz de que dispõem as bancas é a mera devolução do conhecimento.
O objetivo deste artigo não é julgar este critério de avaliação. De passagem, posso dizer que considero que o sistema tem lá suas falhas, mas em geral continua sendo o mais justo. E, convenhamos, elaborar avaliações “inteligentes” para cinquenta mil pessoas (como, por exemplo, no concurso para AFT) é inviável. É preciso eliminar primeiro a grande maioria, e depois, com um contingente de candidatos tratável, tentar classificá-los. Esta é, aliás, a ideia das provas discursivas, assunto para outro artigo.
Já ouvi muito professor dizer que “o aluno precisa entender, não decorar”. Com todo o respeito, não posso concordar com isso, pois não é real. Para mim esta ideia é, com boa vontade, um grande equívoco.
Entender é fundamental, inclusive para ajudar a decorar. Os conceitos não se excluem. Neste sentido, Telma Pantano, neurocientista da USP, ensina que “o processo de aprendizagem necessariamente envolve compreensão, assimilação (memória), atribuição de significado e estabelecimento de relações entre o conteúdo a ser apreendido e os conteúdos a ele relacionados e já armazenados[1]”.
Destarte, acredito que a função do professor que prepara alunos para concursos públicos seja desenvolver e utilizar ferramentas que auxiliem o candidato a decorar. Dar exemplos, apresentar esquemas, sugerir relações entre os assuntos, apresentar resumos, entre outras ferramentas, ajudam o concurseiro a entender o que estuda e, consequentemente, a fixar o conteúdo na memória. Mas não se deixe iludir por essa história de que “não tem que decorar”.
A grande maioria das bancas cobra literalidade (da lei e/ou da jurisprudência), razão pela qual uma pequena palavra a mais ou a menos pode tornar a assertiva correta ou incorreta, e o candidato que apenas entendeu a ideia pode, por isso, perder a questão.
Menciono como exemplo uma questão do XII Concurso do MPT (considerado um dos mais “inteligentes” dentre todos), a qual cobrou o significado de “INSS”, se “Instituto Nacional do Seguro Social” ou “Instituto Nacional da Seguridade Social”. Adiantaria alguma coisa simplesmente entender a função do órgão???
Desafio alguém a me demonstrar como “entender” os artigos 130 e 130-A da CLT sem decorá-los. Você até pode usar recursos lógicos e comparativos, mas isso é ferramenta para decorar. Simplesmente não basta você entender que o número de dias de férias a que o empregado tem direito varia proporcionalmente, e em patamares fixos, com o número de faltas injustificadas durante o período aquisitivo.
Em razão de todo o exposto, não se iluda com propostas milagrosas.
“Ah, professor, mas eu tenho dificuldade em decorar, minha memória não ajuda”... Então somos dois! Pela minha experiência, posso dizer que o “remédio” para memória não é nenhum fármaco (nem brinque com isso!), e sim a repetição, até a completa exaustão.
Permita-me contar uma pequena história que ilustra o que eu acabei de escrever. Quando eu estava no último ano de faculdade me inscrevi no concurso para Oficial de Promotoria do MPSP. Era um cargo de nível médio, mas o salário era razoável, o que me garantiria a independência logo após a formatura, bem como a estrutura material necessária para continuar minha preparação, com vistas a vôos mais altos.
O concurso era bem simples, com conteúdo programático relativamente pequeno. Na cidade para a qual me inscrevi havia apenas duas vagas, disputadas por quinhentos candidatos. Moral da história: era preciso estudar para “fechar” a prova.
Minha estratégia de estudo, na época, foi a seguinte: fiz o meu próprio material de estudo, baixando da internet os atos normativos que integravam o conteúdo programático de direito. Eu tinha três meses para decorar tudo. Depois não precisaria de mais (quase) nada daquilo. E assim o fiz. Não foi fácil, pois eu também não tenho uma memória privilegiada, nem uma capacidade intelectual acima da média. Simplesmente trabalhei muito.
Ao final do segundo mês comprei algumas apostilas infames, dessas que são vendidas em bancas de jornal, para fechar o condicionamento. Normalmente essas apostilas são cheias de erros (todo o cuidado com elas é pouco, inclusive para concursos de nível médio!). A minha tarefa, nesta fase, era resolver os exercícios propostos, apontando os erros da apostila. E assim o fiz. Minha esposa “me tomava” os exercícios, e eu explicava a ela todas as alternativas, inclusive as erradas (e o porquê dos erros), bem como os erros da apostila.
Na data da prova eu tinha certeza que não erraria nada. Estava plenamente confiante, pois o trabalho tinha sido exaustivo (tanto no sentido do cansaço quanto no do esgotamento de todas as possibilidades). Errei apenas uma questão, de interpretação de texto, que todos os candidatos que fizeram a mesma prova erraram, devido à sua formulação absurda. Como eu não me preocupei em entender tudo, ou em ficar procurando pelo em ovo, um mês depois da prova eu já não me lembrava da maioria daquelas coisas. Isso fez alguma diferença? Não!
O que quero dizer com esse exemplo é que não é nenhuma vergonha você, diante das circunstâncias, buscar simplesmente se condicionar para a prova. O resultado é o mesmo! Além disso, na maioria das vezes decorar é preciso. Quem faz provas da FCC sabe do que estou falando...
Abraço e bons estudos!
Ricardo Resende
www.facebook.com/ricoresende
[1] PANTANO, Telma. Neurociência aplicada à aprendizagem. São Paulo : Pulso, 2009, p. 23, apud NEIVA, Rogerio. Como se preparar para concursos públicos com alto rendimento. São Paulo : Método, 2010, p. 126.
Professor,
ResponderExcluirA questão reside na carga pejorativa que o termo "decorar" adquiriu. A origem da palavra decorar, provém de "saber pelo coração", ou "know by heart" ou seja, decorar nada mais é do saber algo profundamente, de coração.
O que se fez com o tempo, creio eu, foi subverter o sentido da palavra. Usa-se "decorar" para expressar um conhecimento superficial, obtido de forma mais rápida, que pode ser utilizado para fins de concurso, tal como o exemplo que o Professor deu. No mesmo sentido do Professor, minha esposa, também AFT, adotou técnica semelhante. Usou método exaustivo de leitura, releitura, gráficos, resumos, esquemas, para "tentar decorar o máximo possível de informações, num pequeno espaço de tempo". Deu certo! Mas, assim como o Professor, em pouco tempo muitas informações se perderam.
Na verdade, tanto o Professor quanto a minha mulher, não decoraram a matéria, apenas conseguiram acumular uma grande quantidade de infomações, num pequeno espaço de tempo. É método pragmático, que funciona no mundo dos concursos. Assim, usamos o termo "decorar" não no seu sentido próprio, mas como um forma de acumulação rápida e superficial de conhecimento.
Eu, por exemplo, considero ter dificuldades para "decorar". Tanto é que meu método de estudos, baseado em resumos, grifo de textos, é mais lento. Porém, se feito com calma e qualidade fica mais tempo armazenado na memória. Com tempo, obviamente, você esquece, porém, um rápida revisão traz à tona o assunto novamente, com facilidade.
Outro ponto que gostaria de comentar é que concordo que não há vergonha no método que o Professor utilizou. Na verdade há esperteza. É eficaz. Não se cobra em concurso público um conhecimento de longo prazo, um aprendizado profundo da matéria, mas o conhecimento naquele determinado momento, nas poucas horas de elaboração da prova.
O mais importante disso tudo - e foi exatamente isso que o artigo do Professor positivamente causou - é a relfexão pessoal. Cada um desenvolve métodos e meios próprios, que lhes são mas convenientes e oportunos.
Um abraço Professor Ricardo Resende,
Ricardo S. Torques
http://sinteseconcursos.blogspot.com/
É exatamente por aí, Ricardo!
ResponderExcluir"Decorar", segundo o Houaiss, significa "guardar na memória; memorizar, gravar", e é este o sentido que utilizei no artigo. Nem o etimológico, nem o pejorativo.
A memória, por sua vez, tanto pode ser longo prazo quanto de curto prazo. E o meu objetivo com o texto é demonstrar que a memória de curto prazo é não só válida, como fundamental para a grande maioria dos concursos.
Isso porque se você for "guardar no coração" o conteúdo programático do concurso do MPT, por exemplo, gastará umas três encarnações...
Esclareça-se que em momento nenhum eu desprezo a compreensão dos assuntos. Pelo contrário. Como professor, vivo contantemente buscando formas de proporcioná-la aos alunos.
Só que 90% da prova é memorização. Logo, acredito poder concluir o seguinte:
a) quem compreeende e memoriza provavelmente passará (e, de quebra, levará sua preparação para o concurso vida afora);
b) quem memoriza, mesmo sem compreender exatamente, também provavelmente passará;
c) quem compreende e não memoriza dificilmente passará.
Abraço e bons estudos!
Ricardo Resende
se decoro, então passo..rss
ResponderExcluirDarlei,
ResponderExcluirPode-se dizer que sim, notadamente em provas objetivas.
Abraço e bons estudos!