segunda-feira, 11 de abril de 2011

Doméstico: requisitos específicos para caracterização (2ª parte)

Caro colega concurseiro,

A título de conclusão do assunto iniciado no artigo anterior, qual seja, a caracterização da relação de emprego doméstico, resta-nos a análise do requisito continuidade.

Com efeito, o art. 1º da Lei nº 5.859/1972 dispõe que:

Art. 1º Ao empregado doméstico, assim considerado aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família no âmbito residencial destas, aplica-se o disposto nesta lei.

Se para a caracterização da relação de emprego genérica exige-se a não eventualidade (art. 3º da CLT), para o vínculo de emprego doméstico faz-se necessário que a prestação de serviços tenha natureza de continuidade.

Embora alguns autores defendam que as expressões são sinônimas, não é esta a interpretação dada pela jurisprudência majoritária, a qual deve ser sempre seguida pelo candidato atento.

A não eventualidade se contrapõe, por óbvio, à eventualidade. E o que não é eventual não necessariamente será contínuo. Alguns autores se limitam a caracterizar a não eventualidade sempre que o serviço em questão seja necessário ao normal desenvolvimento da atividade do empregador. Não me parece, entretanto, que a definição resolva o problema em todos os casos. Imagine-se, por exemplo, o trabalho dos chapas, os quais são considerados eventuais, porque não se fixam ao tomador dos serviços, porque oferecem seus serviços indistintamente àquele que primeiro os solicitar. Neste caso, embora a atividade (movimentação de mercadorias) seja necessária ao desenvolvimento da atividade da transportadora, este trabalhador não será empregado, posto que ausente o requisito não eventualidade.

A melhor definição que eu já vi a respeito da não eventualidade é aquela dada em aula pelo Prof. Otávio Calvet: exerce atividade não eventual aquele trabalhador que presta serviços de forma repetida ao tomador, com previsão de repetição futura, em atividade permanente na empresa (ainda que seja atividade-meio), e fixado juridicamente ao tomador dos serviços. A fixação jurídica decorre da própria intenção do obreiro de estabelecer um liame jurídico mais forte com o tomador dos serviços, um compromisso, ao contrário do que ocorre com o chapa, que vende sua força de trabalho a cada dia, não importando para quem.

A fim de ilustrar a afirmação de que nem sempre o que é não eventual será contínuo, imagine-se a figura clássica do garçom de uma pizzaria, que trabalha apenas às sextas-feiras à noite. O trabalho não é, evidentemente, contínuo. Entretanto, é não eventual, senão vejamos: a) é repetido, ou seja, toda sexta-feira o garçom está lá, naquele mesmo local; b) é repetível futuramente, isto é, em princípio aquela atividade se repetirá nos próximos finais de semana; c) a atividade é permanente na empresa (sem nenhuma dúvida o é); d) o trabalhador se fixa juridicamente ao tomador dos serviços, pois há um compromisso com aquele determinado tomador, para o qual será reservado o horário das sextas-feiras à noite, em troca da contraprestação pactuada (salário).

No caso do doméstico, o legislador se referiu à continuidade. Em consonância com tal entendimento, Alice Monteiro de Barros ensina que

“Não nos parece esteja incluída no art. 1º da Lei n. 5.859 a trabalhadora chamada, impropriamente, de ‘diarista’ (faxineira, lavadeira, passadeira, etc.), que trabalha nas residências, em dias quaisquer, para diversas famílias. É que a Lei n. 5.859, de 1972, considera doméstico ‘quem presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas...’ (art. 1º).

De acordo com o Novo Dicionário Aurélio, o vocábulo ‘contínuo’ significa ‘em que não há interrupção, seguido, sucessivo’.

É necessário, portanto, que o trabalho executado seja seguido, não sofra interrupção. Portanto, um dos pressupostos do conceito de empregado doméstico é a continuidade, inconfundível com a não eventualidade exigida como elemento da relação jurídica advinda do contrato de emprego firmado entre empregado e empregador, regido pela CLT. Ora, a continuidade pressupõe a ausência de interrupção, enquanto a não eventualidade diz respeito ao serviço que se vincula aos fins normais da atividade da empresa.[1]

Daí surge a figura conhecida da diarista, que tanta confusão gera especialmente na cabeça do leigo. A jurisprudência tende a acolher a distinção, razão pela qual este é o entendimento que recomento para concursos públicos, notadamente para provas objetivas.

Neste sentido, os seguintes julgados do TST:

RECURSO DE REVISTA. DIARISTA DOMÉSTICA. LABOR ATÉ DOIS DIAS DA SEMANA. RELAÇÃO DE EMPREGO. INEXISTÊNCIA. Empregado doméstico é a pessoa física que presta, com pessoalidade, onerosidade e subordinadamente, serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, em função do âmbito residencial destas. Incontroversos os demais elementos fático-jurídicos, porém comprovando-se o labor por somente dois dias na semana, configura-se o caráter descontínuo da prestação de trabalho, fora do pressuposto específico da Lei n. 5859/72. Recurso de revista não conhecido. (Processo: RR - 10600-44.2006.5.01.0058 Data de Julgamento: 06/10/2010, Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 22/10/2010.)

TRABALHO PRESTADO NO ÂMBITO DOMÉSTICO. DIARISTA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS TRÊS VEZES NA SEMANA. AUSÊNCIA DE VÍNCULO DE EMPREGO.

A diarista, que presta serviços em dias alternados em casa de família, não tem vínculo empregatício como doméstica, em face do não preenchimento dos requisitos necessários à caracterização da relação de emprego. Recurso de revista conhecido e desprovido. (Processo: RR - 58100-60.2005.5.01.0020 Data de Julgamento: 04/08/2010, Relator Juiz Convocado: Roberto Pessoa, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 10/09/2010.)

Esclareça-se, entretanto, a título de curiosidade, que não existe um número cabalístico de vezes em que a diarista pode trabalhar na residência para que não reste configurado o vínculo de emprego. Desse modo, não passa de mito o que ouvimos e lemos por aí, no sentido de que “até duas vezes por semana”, ou “até três vezes por semana”, é diarista, mais que isto, empregado. O que existe é a diferença (no entendimento majoritário) entre continuidade e não eventualidade, conforme mencionado até aqui. A decisão dependerá da análise das provas, do caso concreto e da orientação do Juiz.

Alguns Juízes, por exemplo, alinhando-se à tese de que as duas expressões (não eventualidade e continuidade) seriam sinônimas, buscam na fixação jurídica a caracterização da relação de emprego, de forma que a obreira que trabalha duas vezes por semana na residência, mas sempre nos mesmos dias, durante anos (o que indica um compromisso duradouro, não eventual), seria empregada, e não diarista.

Cuidado!  Este entendimento (últimos dois parágrafos) não é acolhido pelo TST, pelo que também não deve ser levado em conta por você, concurseiro vencedor, salvo apenas como contraponto, em uma eventual resposta a questão discursiva. Se você tiver alguma dúvida acerca disso, basta fazer uma rápida pesquisa no site do TST, em "notícias", procurando por “diarista”.

Abraço e bons estudos!

Ricardo Resende




[1] BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. – 6. ed. – São Paulo : LTr, 2010, p. 347/348.

2 comentários:

  1. Professor Ricardo,

    Parabéns pelo artigo. Muito esclarecedor e produzido com muito zelo. É muito importante para nós, concurseiros da área trabalhista, termos um espaço como este: que trata o direito do trabalho com profundidade. E o principal: a periodicidade que os artigos são postados.

    Muito Grato, Ricardo. E continue assim (por favor rsrsrsr).

    Napoleão Fonseca

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  2. Obrigado pelo feedback, Napoleão.

    Abraço e bons estudos!

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