terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Limites à negociação coletiva


Caro colega concurseiro,

O assunto que me motiva a escrever este artigo é a notícia publicada hoje no site do TST acerca da possibilidade de parcelamento (na verdade, pagamento mensal) da participação nos lucros e resultados (PLR), desde que exista previsão neste sentido em  instrumento coletivo de trabalho (acordo coletivo de trabalho ou convenção coletiva de trabalho). 

Para contextualizar a situação, esclareça-se que a parcela denominada participação nos lucros e resultados, ou ainda gratificação de balanço, não tem natureza salarial, por força de disposição expressa do art. 7º, XI, da CRFB/88.  No mesmo sentido, o art. 3º da Lei nº 10.101/2000. Ocorre que a referida Lei dispõe que a PLR não é compulsória mas, se estabelecida mediante negociação, deve ser paga anualmente ou, no máximo, semestralmente (art. 3º, §2º). 

Portanto, no caso levado a julgamento pelo TST (RR - 48000-89.2005.5.15.0009) a Corte entendeu pela prevalência da norma coletiva sobre disposição expressa de lei, o que não deixa de ser um exemplo da “prevalência do negociado sobre o legislado” (isso daria um bom tema para questão de prova discursiva...).  


Em seus fundamentos, a Ministra Relatora argumenta que “a legislação ordinária não pode ser interpretada de forma restritiva ao exercício das garantias constitucionais. No caso, a negociação coletiva estabeleceu o pagamento de parcela constitucionalmente desvinculada da remuneração, ainda que de maneira diferente da disposição legal. Contudo, como não houve vício de consentimento das partes, o acordo deve ser prestigiado e cumprido” (texto retirado da notícia, disponível em www.tst.gov.br).
 
A questão maior que se descortina, e que me parece merecer uma reflexão mais acurada, é o limite da negociação coletiva frente à atual composição do TST.  

Temos diversas situações em que o TST prestigia “o negociado” em detrimento “do legislado”. A título de exemplo, mencionem-se os seguintes verbetes: 

SUM-364 ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. EXPOSIÇÃO EVENTUAL, PERMANENTE E INTERMITENTE  - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005 

(...)

II - A fixação do adicional de periculosidade, em percentual inferior ao legal e proporcional ao tempo de exposição ao risco, deve ser respeitada, desde que pactuada em acordos ou convenções coletivos. 

O fundamento normalmente invocado para defender esta tese é o de que a CRFB permitiu a redução de salários (art. 7º, VI), então também teria aberto espaço à redução dos adicionais legais. A doutrina majoritária se posiciona em sentido contrário.

OJ-SDI1-251 DESCONTOS. FRENTISTA. CHEQUES SEM FUNDOS (inserida em 13.03.2002)
É lícito o desconto salarial referente à devolução de cheques sem fundos, quando o frentista não observar as recomendações previstas em instrumento coletivo.
A CLT (art. 462, §1º) exige autorização do empregado para desconto em salário em caso de danos provocados ao empregador, salvo na ocorrência de dolo.  O TST, entretanto, admite seja a previsão levada a efeito em norma coletiva, ao menos no caso do frentista que recebe cheque sem fundos sem observar as devidas cautelas.

Por outro lado, o TST coloca, em vários outros verbetes, os devidos limites ao alcance da norma coletiva, notadamente em situações que envolvam a duração do trabalho. Neste sentido, por exemplo, a OJ 372:

OJ-SDI1-372 MINUTOS QUE ANTECEDEM E SUCEDEM A JORNADA DE TRABALHO. LEI Nº 10.243, DE 19.06.2001. NORMA COLETIVA. FLEXIBILIZAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE (DEJT divulgado em 03, 04 e 05.12.2008) 

A partir da vigência da Lei nº 10.243, de 19.06.2001, que acrescentou o § 1º ao art. 58 da CLT, não mais prevalece cláusula prevista em convenção ou acordo coletivo que elastece o limite de 5 minutos que antecedem e sucedem a jornada de trabalho para fins de apuração das horas extras.

A OJ 342, por sua vez, contempla os dois mundos, ou seja, a possibilidade de “adequação” de situações específicas por meio de norma coletiva (item II), e a impossibilidade de flexibilização de normas de ordem pública (item I):  

OJ-SDI1-342 INTERVALO INTRAJORNADA PARA REPOUSO E ALIMENTAÇÃO. NÃO CONCESSÃO OU REDUÇÃO. PREVISÃO EM NORMA COLETIVA. INVALIDADE. EXCEÇÃO AOS CONDUTORES DE VEÍCULOS RODOVIÁRIOS, EMPREGADOS EM EMPRESAS DE TRANS-PORTE COLETIVO URBANO (alterada em decorrência do julgamento do processo TST-IUJEEDEDRR 1226/2005-005-24-00.1) – Res. 159/2009, DEJT divulgado em 23, 24 e 25.11.2009 

I - É inválida cláusula de acordo ou convenção coletiva de trabalho contemplando a supressão ou redução do intervalo intrajornada porque este constitui medida de higiene, saúde e segurança do trabalho, garantido por norma de ordem pública (art. 71 da CLT e art. 7º, XXII, da CF/1988), infenso à negociação coletiva. 

II – Ante a natureza do serviço e em virtude das condições especiais de trabalho a que são submetidos estritamente os condutores e cobradores de veículos rodoviários, empregados em empresas de transporte público coletivo urbano, é válida cláusula de acordo ou convenção coletiva de trabalho contemplando a redução do intervalo intrajornada, desde que garantida a redução da jornada para, no mínimo, sete horas diárias ou quarenta e duas semanais, não prorrogada, mantida a mesma remuneração e concedidos intervalos para descanso menores e fracionados ao final de cada viagem, não descontados da jornada.

Desse modo, não me parece que este julgado sobre a PLR indique necessariamente uma tendência do TST a admitir, como regra, a flexibilização mediante negociação coletiva.  A questão existe, e não é de hoje, também no TST, mas ainda acredito que a Corte se mantenha na linha da “adequação setorial negociada” defendida pelo Min. Maurício Godinho Delgado[1].  

Em artigos seguintes desenvolverei melhor o tema. 

Abraço e bons estudos!


[1] “Pelo princípio da adequação setorial negociada as normas autônomas juscoletivas construídas para incidirem sobre certa comunidade econômico-profissional podem prevalecer sobre o padrão geral heterônomo justrabalhista desde que respeitados certos critérios objetivamente fixados. São dois esses critérios autorizativos: a) quando as normas autônomas juscoletivas implementam um padrão setorial de direitos superior ao padrão geral oriundo da legislação heterônoma aplicável; b) quando as normas autônomas juscoletivas transacionam setorialmente parcelas justrabalhistas de indisponibilidade apenas relativa (e não de indisponibilidade absoluta)”.  (DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. – 9. ed. – São Paulo : LTr, 2010, p. 1229)

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